CONSERVAÇÃO
Estruturas guardam memórias da via que cresceu como principal ligação entre os bairros Benfica e Centro
Em Fortaleza, é comum encontrar vias que mudam de nome, a partir do cruzamento com outras ruas, mesmo que o trajeto não seja alterado. Isso acontece, por exemplo, com a Avenida João Pessoa, que passa a chamar-se Avenida da Universidade, a partir do cruzamento com a Rua Padre Cícero e se transforma em Rua General Sampaio, a partir do cruzamento com a Rua Antônio Pompeu.
Essa avenida é uma das principais ligações entre o bairro Benfica e o Centro de Fortaleza. De acordo com a Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC), a via tem um fluxo diário de cerca de 27.300 veículos.
Porém, para quem está acostumado com o trânsito intenso da Capital nos dias atuais, fica difícil imaginar que, em outros tempos, o bairro Benfica e a Avenida da Universidade eram refúgio para os que queriam uma vida mais calma, afastada do Centro da cidade de Fortaleza, que crescia.
A Avenida da Universidade, que só passou a ser chamada assim no início dos anos 1960, de acordo com o pesquisador e diretor do Museu da Imagem e do Som, Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como Nirez. A outrora chamada Avenida Visconde de Cauhype foi morada de muitas famílias importantes para a economia da capital cearense, no século XX.
Chácara
Um desses clãs era o dos Gentil, que tinha uma chácara onde hoje é a sede da Reitoria da Universidade Federal do Ceará. Pertencia a João da Frota Gentil, um dos primeiros bancos fundados no Ceará, o Banco Frota Gentil, com sede no Centro, ainda preservada.
Segundo relata Vanius Meton Gadelha Vieira no livro "Ideal Clube - História de uma sociedade", nas vizinhanças da centenária Igreja Nossa Senhora dos Remédios, localizava-se a antiga parada terminal da linha de bondes do Benfica. A partir daí, adentrava-se o Caminho de Arronches, em direção ao Bairro Damas, através da estrada de concreto, denominada, em 1930, Avenida João Pessoa.
Fachada
Dos quase 3.500 números da hoje Avenida da Universidade, são poucos os casarões da primeira metade do século XX que restaram atualmente. Um dos mais belos e conservados é o que hoje abriga o convento do Instituto das Filhas de São José, no número 3186. As religiosas estão no local há apenas 15 anos, no entanto fizeram questão de manter a fachada original da casa, pintada de Salmon, com detalhes brancos.
Mais adiante, surge, imponente, a reitoria da Universidade Federal do Ceará, quase em frente à Igreja Nossa Senhora dos Remédios. No cruzamento das avenidas da Universidade com a 13 de Maio havia uma rotatória até os anos 1970, quando deixou de existir para desafogar o trânsito no local. No centro da rotatória, foi instalada a fonte que está hoje na Praça Murilo Borges, no Centro.
Palacete Gentil
Outro prédio que chama a atenção na avenida é a Casa de Cultura Alemã da Universidade Federal do Ceará, que pertenceu a Luiz Gonzaga Flávio da Silva, de acordo com os relatos de Vanius Meton Gadelha, no livro "Ideal Clube - história de uma sociedade", também construtor do Palacete Gentil, que hoje sedia a reitoria da UFC.
No cruzamento da avenida com a Rua Instituto do Ceará está a Faculdade de Economia, Administração, Atuária, Contabilidade e Secretariado Executivo da UFC.
O prédio sediou o Grupo Escolar do Benfica, chamado Rodolfo Teófilo e também o Instituto Histórico e Geográfico do Ceará. Já na esquina da Avenida da Universidade com a Rua Antônio Pompeu está o Solar das Liras, hoje ocupado pela Loja Maçônica Luiz Moraes Correia. A charmosa residência, pintada de azul e revestida de azulejos, com detalhes de flores, ficou conhecida como Solar das Liras, devido às suas muradas, ornadas com liras fabricadas na Plástica Cearense, fábrica pioneira do Ceará, de mosaicos, objetos torneados e blocos de concreto.
A casa foi construída pelo médico Meton de Alencar Filho, para a sua esposa, a pianista Hortênsia Natalina Jaguaribe de Alencar, conhecida como Yayá Meton, de acordo com o livro de Vanius Meton e também citada no livro de memórias de Pedro Nava, O Baú de Ossos.
A casa foi comprada pela maçonaria no ano 1975. "Como Meton de Alencar Filho, seu construtor e primeiro morador, era maçom, a entidade encontrou entre os adornos do prédio alguns símbolos da referida organização, como por exemplo as almofadas em forma de rosas que enfeitam a fachada do prédio", afirma Vanius Meton no livro.
FIQUE POR DENTRO
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História da via tem alteração de nomes
A Avenida da Universidade - antiga Boulevard Visconde de Cauhype - homenageava Severiano Ribeiro da Cunha, comendador e visconde nascido em Caucaia, em 1831, sogro de Barão de Studart. A via teve seu nome alterado para Avenida da Universidade no começo dos anos 1960. Nos anos 2000, foi sugerida outra modificação na nomenclatura da avenida, que passaria a se chamar reitor Martins Filho, fundador da Universidade Federal do Ceará, o que não foi votado pela Câmara Municipal de Fortaleza.
Bairro guarda memória de famílias tradicionais
"Uma vasta chácara em que se tinha um mangueiral plantado em linha reta a perder de vista, onde vivíamos cercados de familiares". Assim são as lembranças do Benfica e da Avenida da Universidade, para Beatriz Gentil Philomeno Gomes, uma das ilustres moradoras do bairro, que presenciou a vinda de famílias tradicionais de Fortaleza para habitar o local.
Apesar de ser conhecida por ter morado na casa que hoje abriga a sede da reitoria da UFC, Beatriz Philomeno Gomes esclarece que residia ao lado do Palacete Gentil, onde hoje existe o departamento de Ciências Sociais e Filosofia da Universidade. “Morava exatamente em frente à Igreja dos Remédios. Nos dias em que estávamos doentes, assistíamos a missa da janela do meu quarto”, disse.
Segundo Beatriz, o Benfica foi morada de muitas famílias tradicionais. “Além da nossa numerosa família Gentil, também tínhamos como vizinhos Carlos Jereissati, pai do ex-governador Tasso Jereissati, meu avô, Adolpho Campello, entre outros. O Benfica era o bairro mais rico de Fortaleza nos anos 1930”, conta, aos 90 anos.
Enquanto para Beatriz a Avenida da Universidade é histórica e cheia de lembranças boas, para a maioria das pessoas que passa por lá, a via não traz nenhum significado importante. “Passo por aqui com frequência, mas não sei nada sobre a história dela”, essa foi a frase que mais ouvimos, ao entrevistar as pessoas que passavam.
Na opinião da professora de Arquitetura e Urbanismo da UFC, Beatriz Diógenes, em Fortaleza não há uma preocupação com o valor histórico das ruas, casarões e prédios da cidade. “Em geral, as pessoas não têm essa preocupação com o valor histórico e arquitetônico das construções, mas valorizam muito mais o moderno, o novo”, diz. Para ela, a inclusão de uma disciplina sobre história do Município e do Estado no currículo escolar poderia mudar esse sentimento nas pessoas.
Kelly Garcia
Kelly Garcia
Repórter
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