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sexta-feira, 10 de julho de 2015

A CRUZ, A FOICE E O MARTELO: UMA QUESTÃO DE SIMBOLOGIA.


Por João Facundo

Muito tem se falado e escrito a respeito do “presente” um tanto inusitado do presidente boliviano Evo Morales ao Papa Francisco. Uma enxovalhada de opiniões dividiu-se a respeito da “lembrança” dada ao bispo de Roma, alguns retratam que esse crucifixo feito com um martelo e uma foice é uma afronta ao líder religioso e outros, dizem que se trata de uma obra de arte da imagem de Jesus crucificado.

É evidente que historicamente o “martelo” e a “cruz” estão vinculados a luta revolucionária comunista e que essa ideologia sofreu sanções e desagravos por parte de Pio XI, na encíclica Divinis Redenptoris. Contudo, também é sintomático que se fosse um anel de ouro cravejado com diamantes não causaria tanto furor, mesmo que o possível presente contradissesse a todo discurso de pobreza feito por Francisco. Vale ter presente que, se por um lado a Igreja condenou o comunismo, por outro ela também condena o capitalismo... Parece-me que a discussão não deve centrar-se nesse ponto, mas na sua dimensão simbólica.

O próprio conceito grego de símbolo (symbolo) é o de ligar, de ser imagem representativa de uma ideia, ao passo que algo “sim-bólico” é em essência aquilo que une, que congrega, que converge. E os símbolos são em si mesmos polissêmicos, isto é, carregam uma gama de significados que variam de acordo com o ser que o descreve. Assim, o que para mim pode ser “simbólico” (unir), para o outro pode de ser considerado “dia-bolico”, algo que causa ruptura, divisão, quebra. Os estudos historiográficos desenvolvidos demonstram que a descrição é algo tão subjetiva que mesmo o vencedor ao tratar com desdém o vencido, não relata a sua superioridade, mas, aquilo que o atemorizava no adversário. Assim, que para nossa discussão é elementar saber que: o que Claudia fala acerca de Maria contém mais informações de Cláudia que acerca de Maria.

A histeria nas redes sociais revelam concepções tardias de temas atuais e subverter a ordem que engloba o símbolo e seu contexto. Tal escultura foi construída pelo sacerdote jesuíta Espinal, torturado e assassinado por paramilitares em 1980 e o que parece ter sido desprezado pela maioria, é que num momento anterior a entrega da obra, Francisco, houvera feito uma oração no local onde o sacerdote foi encontrado morto. Seu “(con)texto” é atropelado pela simbólica imagem do martelo e da foice tidos como “comunistas”, como se fosse possível que uma determinada ideologia conseguisse abarcar toda carga representativa desses objetos. 

Creio que os cristãos “ofendidos” devem repensar a fortaleza bíblica que contém esses símbolos: a foice, o martelo e o Cristo crucificado demonstram o que há de mais sensível na mensagem bíblica, o trabalho que dignifica o ser humano, a fé que alimenta a vida e a ira profética que se insurge contra a injustiça feita aos pobres. Assim, a meu ver, devem fugir dos “escândalos cibernéticos” e modificarem atitudes cínicas que são travestidas de religiosas: "Eles enganam o meu povo dizendo que tudo vai bem quando nada vai bem. Pretendem esconder as rachaduras na parede com uma mão de cal. . ." (Ezequiel, 13.10).

João Facundo é teólogo e estudante de história na Universidade Estadual do Ceará - Emai: joaoteol@yahoo.com.br

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