Mulher saiu do semiárido piauiense em busca de formação na capital.
Atualmente ela é professora universitária e dá aulas para cegos.
Rogéria Pereira Rodrigues, 30 anos, natural de Canto do Buriti, no semiárido piauiense, é dona de uma trajetória digna de roteiro de filme. A mulher que aos 16 anos deixou a cidade natal para estudar na capital poderia ter a mesma história de muitos jovens que fazem esse caminho em busca de melhores condições de vida nos grandes centros. Mas ao contrário da grande maioria, a jovem tem uma particularidade: é cega, fato que não a impediu de ir em em busca do seu sonho.
Filha de pai comerciante e de mãe dona de casa, ela perdeu a visão quando tinha apenas 11 anos, mas não desistiu de estudar e buscar uma formação. Sete anos após ter deixado o sertão piauiense, Rogéria se formou em pedagogia na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e quatro anos mais tarde se tornaria a primeira deficiente visual a concluir um mestrado no estado.
Hoje ela dá aulas para outras pessoas que como ela são cegas. "Um dos meus hobbies é estudar. Nós não precisamos de piedade ou de caridade, mas sim de oportunidade. Hoje em dia as pessoas olham para os cegos com um olhar menos piedoso e já não te veem mais como se estivesse com o pires na mão", falou.
Rogéria conta que durante a graduação enfrentou dificuldades de diferentes ordens. Segundo ela, a estrutura da universidade era um dos maiores entraves, pois não havia piso tátil, não tinha sinal sonoro e muito menos identificador nas portas para identificar as salas de aula. Além disso, ela revela que a instituição não é pensada para quem possui deficiência visual.
"Nós temos uma universidade imensa pensada para quem vê, escuta, fala e anda. Quem não está nesses padrões não se insere ali. Você sofre preconceito quando é ignorado, quando não vê nada pensado para você. A impressão que você tem ali é como se fosse um alienígena", relembrou.
Rogéria concluiu o mestrado em 2013 e desenvolveu sua pesquisa sobre o movimento inclusivo nas instituições de ensino superior na perspectiva de alunos cegos. Em meio ao universo ainda muito pequeno de pessoas com título de mestrado no país, a piauiense conseguiu concluir a pós-graduação em tempo hábil, dentro dos 24 meses.
De acordo com o último Censo do IBGE realizado em 2010, apenas 0,32% da população brasileira tinha título de mestre naquele ano. No Piauí, apenas 1.080 pessoas frequentavam mestrado no mesmo período, o que representava 4% do total de mestrandos de todo o Nordeste, o pior percentual da região ao lado de Alagoas.
Após conseguir o feito de se tornar a primeira mestre com deficiência visual do Piauí, Rogéria segue rompendo barreiras e enfrentando as limitações impostas pela falta de visão. Ela é professora de uma faculdade particular em Teresina, na Associação dos Cegos do Piauí (Acep), do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) e atualmente coordena um curso de tecnologia assistida para cegos da Universidade Estadual do Piauí (Uespi).
Ela conta que a tecnologia se tornou uma grande aliada na profissão e nos estudos. Rogéria utiliza scanners para livros, datashows, gravadores de voz e possui um computador com capacidade para os programas especializados que usa durante as aulas.
Sobre o dia-a-dia com os alunos, ela afirma que nunca enfrentou problemas de aceitação numa sala de aula composta por pessoas que enxergam.
"No começo eu percebo que eles ficam meio assustados, mas depois vão ficando naturais. Não tenho nenhum problema com entra e sai de aluno na sala de aula. Todos os dias eu sempre saio aplaudida ao final das aulas", contou Rogéria, que já foi homenageada em algumas turmas durante a formatura.
Na sede da Associação dos Cegos do Piauí, a professora ministra aulas individuais de reforço para alunos cegos matriculados na rede regular de ensino da Secretaria Municipal de Educação de Teresina (Semec).
Após todas as conquistas, a piauiense conta que ainda quer mais e não descarta um doutorado nos próximos anos. Questionada sobre os avanços conquistados pelas pessoas com deficiência visual nos últimos anos, ela destaca que algumas coisas mudaram, mas que os avanços não são tão consideráveis assim.
"Bastante não. Hoje em dia já tem algumas políticas públicas voltadas para o atendimento à pessoa com deficiência, já tem leis que você pode usar para garantir os seus direitos, a tecnologia é uma parceira e a cultura das pessoas tem mudado também. Agora a estrutura arquitetônica, a arquitetura das cidades, infelizmente não tem grande alteração quando se trata de pessoas com deficiência não", concluiu.
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