A estrutura fundamental dos governos democrático tem como alicerce o pensamento de dois grandes filósofos franceses, Jean-Jacques Rousseau e Charles-Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, bem como do político e pensador norte-americano, Thomas Jefferson. Rousseau expressou a ideia de que governantes e governados teriam um contrato tácito, não formalmente expresso, estabelecendo que os legisladores devem fazer as leis de acordo com a vontade do povo e que, pelo primado da maioria, as leis deveriam valer para todos; até para aqueles que com elas não concordasse. Montesquieu defendia que o poder deveria ser dividido em três segmentos perfeitamente distintos: o Legislativo faz as leis, o Executivo executa a administração geral do aparato estatal e o Judiciário decide sobre os conflitos de interesses, aplicando normas gerais e abstratas. Por sua vez, Jefferson defendia um Executivo não centralizador, como forma de impedir que os governantes tivessem em suas mãos todas as funções de mando e de formulação das leis, evitando-se, dessa forma, o surgimento de uma “monarquia republicana”.
Embora oriundo do campo parlamentar (foi deputado federal de 1946 a 1961), como governador Aluízio Alves teve vários problemas com os outros poderes. As relações que deveriam ser de harmonia e de alinhamento para administrar os interesses do povo potiguar, nem sempre assim o foram. Dizia-se que os problemas do governo Aluízio Alves com o legislativo estadual, se originavam no fato dos deputados – distanciando-se da sua função de cogerenciar estruturalmente o Estado – não quererem tomar conhecimento do que estava sendo feito pelo executivo, com o objetivo de desenvolver a economia e modernizar o instrumental de governo do Rio Grande do Norte.
Conversando com Deputados
Nem sempre as relações do governo Aluízio Alves com os deputados estaduais se deram em níveis eminentemente institucionais. Houve períodos de alta e de baixa. O ímpeto de alterar, de mudar como as coisas eram conduzidas entre o Palácio Potengi (depois Palácio da Esperança) e a Assembleia Legislativa do Estado rendeu ao novo governador uma série de tropeços e situações inusitadas. Indagado como encarou esse fato, Aluízio respondeu:
“Quando estudava no curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito de Maceió, eu tinha, como se diz, dois livros de cabeceira: ‘A Origem do Direito dos Povos’, do professor Jayme de Altavila, e ‘Do Contrato Social’, de Montesquieu. Essas duas obras nortearam o meu pensamento jurídico e impuseram uma direção social em todas as minhas ações. Tanto é assim que na mensagem que enviei à Assembleia do Estado em 1961, por ocasião da abertura dos trabalhos do poder parlamentar, citei em primeiro lugar o pensamento de Montesquieu. [Nessa altura, o ex-governador buscou um entre os livros que estavam à sua frente]. Aqui está: ‘A Democracia se afirma, em nosso regime constitucional, pela harmonia e independência dos três poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo. Cada um tem atribuições específicas. Todos têm deveres comuns. Montesquieu, ao formulá-los, não fez uma criação intelectual, ou um jogo de xadrez jurídico. Armou um sistema visando a uma finalidade, que é a da Democracia, que é a do Poder em si mesmo: a realização, pelos instrumentos políticos do Estado, do bem geral do povo. É certo que nem sempre a realidade se coloca nesse plano ideal’, pelas deficiências de nossa formação cultural e despreparo. A minha citação teve o caráter de profissão de fé.
O que eu não sabia na ocasião era o quando era extensa a fronteira que separava o ideal democrático e a realidade política de nosso Estado. Esperava que, passada a campanha, os ânimos tivessem serenados, tivessem se amortecidos. Pobre desejo. Uma ala de deputados torpedeava todas as minhas propostas e todos os projetos dos seus colegas que me apoiavam. Era-me inesperado, mas era crível. Uma parcela significativa dos integrantes da Assembleia tinha uma formação política arraigada em tradições antigas, com visões paroquiais, de defesa somente dos sentimentos provincianos ao extremo, quando não de vantagens para seus respectivos grupos. O problema não foi outro. Eram as negociações de balcão, a grosso e a granel. Um caso foi típico. Houve um deputado que tinha me apoiado, que tinha feito campanha para mim, que votou contra um projeto de interesse do governo, se não me engano, uma estrada vicinal ligando a cidade de Caraúbas ao seu então distrito de Janduís, onde havia somente uma vereda. Dias depois, o mesmo deputado participou de uma reunião no Palácio para tratar de outro assunto. Então eu lhe perguntei por que ele tinha votado contra a estrada de Caraúbas. A resposta me surpreendeu. A causa tinha sido o fato do secretário de educação ter confirmado a permanência de uma professora como diretora de um grupo [escola de primeiro grau] em sua região de atuação política. A professora tinha sido noiva de um primo dele e tinha rompido o compromisso.
Não eram incomuns fatos dessa natureza. Mas aprendi a lição. Daí para frente eu cultivei o hábito de ouvir os pedidos dos deputados, sempre que havia propostas importantes, de interesse Estado, em votação na Assembleia. Alguns pedidos eram consistentes, porém a maioria, a grande maioria, eram coisas esdrúxulas e outro até mesquinhos, como nomeação de delegados, de amigos para empregos e demissão, isso mesmo, de desafetos, mesmo que os atingidos apoiassem o governo. O problema se tornava maior quando eram os próprios dirigentes da Assembleia que faziam esses pedidos. Muitas vezes tive que os atendes para viabilizar os grandes projetos que visavam o desenvolvimento do Rio Grande do Norte, como a modernização do ensino público, criar condições para o desenvolvimento econômico, levar água para as regiões mais secas, por exemplo”.
Conversando com Ministros
Os Tribunais de Contas dos Estados, como linha auxiliar do poder legislativo, tinham – e ainda têm – por objetivo a fiscalização das contas do Estado e de seus Municípios. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte foi criado em 1957, pelo então governador Dinarte Mariz, no prenúncio da disputa pelo cargo de governador do Estado, tendo Djalma Marinho e Aluízio Alves como candidatos, o primeiro apoiado por Dinarte. Eleito governador, Aluízio relutou em ter suas contas fiscalizadas por uma corte composta por membros indicados por Dinarte Mariz, seu desafeto político. Essa nova disputa chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela legalidade do ato de Dinarte. Só assim foi que o Tribunal foi instalado, em 1961, logo no início do ser mandato.
Indagado sobre esse imbróglio, Aluízio o explicou da seguinte maneira:
“Na política do Rio Grande do Norte nada é absolutamente claro, tudo é difuso, tudo tem diversas interpretações, fato que às vezes torna as versões mais importantes que os fatos. Se hoje ainda é assim, imagine nos anos sessenta do século passado. E esse foi o caso do Tribunal de Contas. A versão que então corria – e que ninguém desmentia – era que o objetivo de Dinarte era dificultar as ações do meu governo. Tanto seria possível ser essa a verdade era que o tribunal foi criado em 1957, mas somente seria instalado no governo seguinte. Nada tinha contra os seus integrantes, contra seus ministros [na época os atuais conselheiros eram chamados de ministros]. Porém não desejava e nem queria ser a Joana D’Arc dessa história.
O apaziguamento dos ânimos deu-se pela atuação de dois ministros, que se destacaram no esforço de me convencer da imparcialidade que ira nortear os trabalhos do Tribunal: Mota Neto e Romildo Gurgel. Mota Neto era uma pessoa tremendamente extrovertida e com uma incrível capacidade de convencimento. Motinha era do PSD, partido pelo qual fui eleito, porém tinha aberto uma dissidência que apoiava meu adversário, que tinha como candidato a vice-governador seu conterrâneo Vingt Rosado. Mais tarde ele me disse que essa foi um das suas coerências de mossoroense. Depois houve uma estreita aproximação política entre nós, o que nos levou, inclusive a sermos amigos. O outro, Romildo Gurgel, era um articulador nato que atuou entre as lideranças do poder Executivo e Legislativo. Enquanto Motinha se aproximava e me envolvia com seu jeito aparentemente despreocupado de ser, Romildo atuava se empenhando em fazer uma costura de trato político. Era impressionante como eles se moviam nesse jogo de cena muito bem orquestrado e afinados entre si. Nisso eles foram obstinados e convenceram a todos nós da imparcialidade política que imperaria no Tribunal de Contas. No final todos tivemos êxito. Tanto é assim que, além de instalar o Tribunal, foi no meu governo que ele ganhou novas instalações, inclusive ocupando uma segunda sede, com condições mais adequada para abrigar sua estrutura e realizar sua missão”.
Conversando com Magistrados
Nas sociedades primitivas existia a ordem discricionária, imposta pela força. Depois o costume, a prática frequente, a repetição da mesma ordem, a procedência deu lugar ao direito consuetudinário. Ambas não tinham nenhum sentido democrático. Atualmente a ordem se obtém pelo império das leis, fato que o distingue das situações que anteriormente eram usuais.
Esse novo sentido deu um papel bem peculiar ao Poder Judiciário, no âmbito da governabilidade. Nas disputas entre poderes, é o Judiciário – com suas diversas áreas de atuação e de circunscrição – que zela pela aplicação das normas legais. O Poder Judiciário é o arbitro que dirime as contendas dos dois outros poderes, o Executivo e o Legislativo e tem, ainda, a função de decidir as questões entre o Executivo ou Legislativo, contra o próprio Judiciário. Por isso é que se espera que ele seja exercido com a autoridade jurisdicional que lhe é própria, total autonomia e imparcialidade inquestionável. Todavia esse ideal só é obtido com a prática constante do estado democrático de direito. Quando a democracia não existe ou mesmo é incipiente, esse ideal pode ser aviltado, enxovalhado.
Problemas com a justiça todos os Executivos têm. O grande problema é quando há deterioração do relacionamento, quando a harmonia se esgarça e prejudica o funcionamento pleno e independente desses dois poderes, o Executivo e o Judiciário. No governo de Aluízio Alves ocorreram divergências, posicionamentos diferentes, que poderiam ter comprometido o perfeito funcionamento do estado democrático de direito. Falando sobre esses fatos, assim se posicionou o ex-governador:
“Durante toda minha carreira política, as minhas atitudes raramente foram de neutralidade, sempre fui a favor ou contra. Posso ter errar, e errei muitas vezes, porém não por omissão. Assim foi que agi, com relação à Justiça, durante toda a minha vida, até por coerência e respeito à minha formação acadêmica. Sempre tive por lema que, em um estado democrático de direito, se pode discordar das decisões da Justiça, mas se deve acata-las e, mais que isso, se deve cumpri-las. O problema acontece quando as decisões são equivocadas. Mesmo assim (repito, em um estado democrático de direito) elas devem ser honradas, obedecidas – o que é bem diferente nos estados de exceção, nas ditaduras, situação oposta ao estado de direito.
Saindo do campo teórico, vamos voltar ao mundo real. Vamos falar das relações do meu governo com o Poder Judiciário. Há um adágio, um provérbio popular, que circula entre advogados e até entre os magistrados, que diz que alguns juízes pensam que são deuses e que alguns magistrados têm certeza que são. Se hoje se diz assim, imagine como era no meado do século passado. Certamente que não todos, porém alguns juízes insinuavam favores em troca de uma decisão favorável ao Estado, mesmo que o Estado houvesse observado toda a legislação e todas as normas legais referentes aos processos que eles estavam julgando. Sempre procurei explicações para isso, até que um dos meus secretários, não me lembro qual deles, me alertou para o fato de que esses mesmos juízes eram oriundos de famílias que se dedicavam à política partidária em seus Municípios”.
E quanto ao Tribunal de Justiça do Estado? Perguntei. A resposta de Aluízio foi surpreendente, no seu final:
“Para o filosofo inglês Thomas Hobbes [novamente Aluízio consultou um dos livros que estava lendo na ocasião], a justiça é um valor intrínseco do ser urbano, civilizado. É o que deu razão à criação e o que dá sustentação à existência do Estado. Com seu papel de mediadora política, exerce a função de encontrar soluções para os desacordos entre os vários órgãos do aparato estatal, visando à estabilidade nas suas relações. Esse conceito sobre a justiça exige, entre outras coisas, que seus procedimentos sejam envoltos em garantias que vão além da lisura processual. Exige, também, lisura pessoal dos julgadores. Somente assim se tem um arcabouço jurídico que respeita e justifica seus objetivos.
Quando assumi o governo ainda havia muitas mágoas remanescentes da campanha. Afinal até pouco tempo antes eu fazia parte da UDN, que no Rio Grande do Norte era comandada por Dinarte Mariz e muitos desembargadores eram e continuavam sendo extremamente ligados a ele. Então entre esses magistrado criou-se um clima anti-Aluízio, ambiente no qual germinou e cresceu uma ala (se assim se pode chamar) organizada que atuava contra mim e, por decorrência, contra os interesses do meu governo. Esse foi um caso bastante estressante e desconcertante, que levou a que se cometessem excessos de ambos os lados.
Em determinada ocasião, eu necessitei de uma decisão ou parecer do Tribunal (não me lembro bem qual era) que repercutia profundamente na economia do Estado. Na mesma ocasião em que recebi a decisão da Corte Judiciária, que era contraria as pretensões do governo, recebi também um oficio do mesmo Tribunal pedindo a liberação de verbas para pintar seu prédio. O meu despacho no processo foi dado por escrito e formulado em clima de revide, e foi mais ou menos assim: ‘já que não posso limpar por dentro, vamos pintar por fora’. Confesso que foi uma impropriedade, um ato não político. Hoje eu teria sido mais sensato e não o faria nesses termos.
Porém o marcante era o paradoxo dos fatos. A origem de todos esses atritos entre o governo do Estado e o Tribunal de Justiça era um posicionamento tomado a priori por aquela ala contrária ao meu governo, melhor dizendo, contrária a pessoa de Aluízio Alves. Ora, os desembargadores que se alinhavam a Dinarte quase que controlavam o Tribunal, descaracterizando-o como corte de justiça. Embora abstrato, o termo justiça é perfeitamente entendido por todos como aquilo que é justo, que está em conformidade com as leis. E não aquilo que é submisso aos interesses dos julgadores”. fonte:Tribuna do Norte/camocim belo mar blog
Reprodução
Embora oriundo do campo parlamentar (foi deputado federal de 1946 a 1961), como governador Aluízio Alves teve vários problemas com os outros poderes. As relações que deveriam ser de harmonia e de alinhamento para administrar os interesses do povo potiguar, nem sempre assim o foram. Dizia-se que os problemas do governo Aluízio Alves com o legislativo estadual, se originavam no fato dos deputados – distanciando-se da sua função de cogerenciar estruturalmente o Estado – não quererem tomar conhecimento do que estava sendo feito pelo executivo, com o objetivo de desenvolver a economia e modernizar o instrumental de governo do Rio Grande do Norte.
Conversando com Deputados
Nem sempre as relações do governo Aluízio Alves com os deputados estaduais se deram em níveis eminentemente institucionais. Houve períodos de alta e de baixa. O ímpeto de alterar, de mudar como as coisas eram conduzidas entre o Palácio Potengi (depois Palácio da Esperança) e a Assembleia Legislativa do Estado rendeu ao novo governador uma série de tropeços e situações inusitadas. Indagado como encarou esse fato, Aluízio respondeu:
“Quando estudava no curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito de Maceió, eu tinha, como se diz, dois livros de cabeceira: ‘A Origem do Direito dos Povos’, do professor Jayme de Altavila, e ‘Do Contrato Social’, de Montesquieu. Essas duas obras nortearam o meu pensamento jurídico e impuseram uma direção social em todas as minhas ações. Tanto é assim que na mensagem que enviei à Assembleia do Estado em 1961, por ocasião da abertura dos trabalhos do poder parlamentar, citei em primeiro lugar o pensamento de Montesquieu. [Nessa altura, o ex-governador buscou um entre os livros que estavam à sua frente]. Aqui está: ‘A Democracia se afirma, em nosso regime constitucional, pela harmonia e independência dos três poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo. Cada um tem atribuições específicas. Todos têm deveres comuns. Montesquieu, ao formulá-los, não fez uma criação intelectual, ou um jogo de xadrez jurídico. Armou um sistema visando a uma finalidade, que é a da Democracia, que é a do Poder em si mesmo: a realização, pelos instrumentos políticos do Estado, do bem geral do povo. É certo que nem sempre a realidade se coloca nesse plano ideal’, pelas deficiências de nossa formação cultural e despreparo. A minha citação teve o caráter de profissão de fé.
O que eu não sabia na ocasião era o quando era extensa a fronteira que separava o ideal democrático e a realidade política de nosso Estado. Esperava que, passada a campanha, os ânimos tivessem serenados, tivessem se amortecidos. Pobre desejo. Uma ala de deputados torpedeava todas as minhas propostas e todos os projetos dos seus colegas que me apoiavam. Era-me inesperado, mas era crível. Uma parcela significativa dos integrantes da Assembleia tinha uma formação política arraigada em tradições antigas, com visões paroquiais, de defesa somente dos sentimentos provincianos ao extremo, quando não de vantagens para seus respectivos grupos. O problema não foi outro. Eram as negociações de balcão, a grosso e a granel. Um caso foi típico. Houve um deputado que tinha me apoiado, que tinha feito campanha para mim, que votou contra um projeto de interesse do governo, se não me engano, uma estrada vicinal ligando a cidade de Caraúbas ao seu então distrito de Janduís, onde havia somente uma vereda. Dias depois, o mesmo deputado participou de uma reunião no Palácio para tratar de outro assunto. Então eu lhe perguntei por que ele tinha votado contra a estrada de Caraúbas. A resposta me surpreendeu. A causa tinha sido o fato do secretário de educação ter confirmado a permanência de uma professora como diretora de um grupo [escola de primeiro grau] em sua região de atuação política. A professora tinha sido noiva de um primo dele e tinha rompido o compromisso.
Não eram incomuns fatos dessa natureza. Mas aprendi a lição. Daí para frente eu cultivei o hábito de ouvir os pedidos dos deputados, sempre que havia propostas importantes, de interesse Estado, em votação na Assembleia. Alguns pedidos eram consistentes, porém a maioria, a grande maioria, eram coisas esdrúxulas e outro até mesquinhos, como nomeação de delegados, de amigos para empregos e demissão, isso mesmo, de desafetos, mesmo que os atingidos apoiassem o governo. O problema se tornava maior quando eram os próprios dirigentes da Assembleia que faziam esses pedidos. Muitas vezes tive que os atendes para viabilizar os grandes projetos que visavam o desenvolvimento do Rio Grande do Norte, como a modernização do ensino público, criar condições para o desenvolvimento econômico, levar água para as regiões mais secas, por exemplo”.
Reprodução
Conversando com Ministros
Os Tribunais de Contas dos Estados, como linha auxiliar do poder legislativo, tinham – e ainda têm – por objetivo a fiscalização das contas do Estado e de seus Municípios. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte foi criado em 1957, pelo então governador Dinarte Mariz, no prenúncio da disputa pelo cargo de governador do Estado, tendo Djalma Marinho e Aluízio Alves como candidatos, o primeiro apoiado por Dinarte. Eleito governador, Aluízio relutou em ter suas contas fiscalizadas por uma corte composta por membros indicados por Dinarte Mariz, seu desafeto político. Essa nova disputa chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela legalidade do ato de Dinarte. Só assim foi que o Tribunal foi instalado, em 1961, logo no início do ser mandato.
Indagado sobre esse imbróglio, Aluízio o explicou da seguinte maneira:
“Na política do Rio Grande do Norte nada é absolutamente claro, tudo é difuso, tudo tem diversas interpretações, fato que às vezes torna as versões mais importantes que os fatos. Se hoje ainda é assim, imagine nos anos sessenta do século passado. E esse foi o caso do Tribunal de Contas. A versão que então corria – e que ninguém desmentia – era que o objetivo de Dinarte era dificultar as ações do meu governo. Tanto seria possível ser essa a verdade era que o tribunal foi criado em 1957, mas somente seria instalado no governo seguinte. Nada tinha contra os seus integrantes, contra seus ministros [na época os atuais conselheiros eram chamados de ministros]. Porém não desejava e nem queria ser a Joana D’Arc dessa história.
O apaziguamento dos ânimos deu-se pela atuação de dois ministros, que se destacaram no esforço de me convencer da imparcialidade que ira nortear os trabalhos do Tribunal: Mota Neto e Romildo Gurgel. Mota Neto era uma pessoa tremendamente extrovertida e com uma incrível capacidade de convencimento. Motinha era do PSD, partido pelo qual fui eleito, porém tinha aberto uma dissidência que apoiava meu adversário, que tinha como candidato a vice-governador seu conterrâneo Vingt Rosado. Mais tarde ele me disse que essa foi um das suas coerências de mossoroense. Depois houve uma estreita aproximação política entre nós, o que nos levou, inclusive a sermos amigos. O outro, Romildo Gurgel, era um articulador nato que atuou entre as lideranças do poder Executivo e Legislativo. Enquanto Motinha se aproximava e me envolvia com seu jeito aparentemente despreocupado de ser, Romildo atuava se empenhando em fazer uma costura de trato político. Era impressionante como eles se moviam nesse jogo de cena muito bem orquestrado e afinados entre si. Nisso eles foram obstinados e convenceram a todos nós da imparcialidade política que imperaria no Tribunal de Contas. No final todos tivemos êxito. Tanto é assim que, além de instalar o Tribunal, foi no meu governo que ele ganhou novas instalações, inclusive ocupando uma segunda sede, com condições mais adequada para abrigar sua estrutura e realizar sua missão”.
Conversando com Magistrados
Nas sociedades primitivas existia a ordem discricionária, imposta pela força. Depois o costume, a prática frequente, a repetição da mesma ordem, a procedência deu lugar ao direito consuetudinário. Ambas não tinham nenhum sentido democrático. Atualmente a ordem se obtém pelo império das leis, fato que o distingue das situações que anteriormente eram usuais.
Esse novo sentido deu um papel bem peculiar ao Poder Judiciário, no âmbito da governabilidade. Nas disputas entre poderes, é o Judiciário – com suas diversas áreas de atuação e de circunscrição – que zela pela aplicação das normas legais. O Poder Judiciário é o arbitro que dirime as contendas dos dois outros poderes, o Executivo e o Legislativo e tem, ainda, a função de decidir as questões entre o Executivo ou Legislativo, contra o próprio Judiciário. Por isso é que se espera que ele seja exercido com a autoridade jurisdicional que lhe é própria, total autonomia e imparcialidade inquestionável. Todavia esse ideal só é obtido com a prática constante do estado democrático de direito. Quando a democracia não existe ou mesmo é incipiente, esse ideal pode ser aviltado, enxovalhado.
Problemas com a justiça todos os Executivos têm. O grande problema é quando há deterioração do relacionamento, quando a harmonia se esgarça e prejudica o funcionamento pleno e independente desses dois poderes, o Executivo e o Judiciário. No governo de Aluízio Alves ocorreram divergências, posicionamentos diferentes, que poderiam ter comprometido o perfeito funcionamento do estado democrático de direito. Falando sobre esses fatos, assim se posicionou o ex-governador:
“Durante toda minha carreira política, as minhas atitudes raramente foram de neutralidade, sempre fui a favor ou contra. Posso ter errar, e errei muitas vezes, porém não por omissão. Assim foi que agi, com relação à Justiça, durante toda a minha vida, até por coerência e respeito à minha formação acadêmica. Sempre tive por lema que, em um estado democrático de direito, se pode discordar das decisões da Justiça, mas se deve acata-las e, mais que isso, se deve cumpri-las. O problema acontece quando as decisões são equivocadas. Mesmo assim (repito, em um estado democrático de direito) elas devem ser honradas, obedecidas – o que é bem diferente nos estados de exceção, nas ditaduras, situação oposta ao estado de direito.
Saindo do campo teórico, vamos voltar ao mundo real. Vamos falar das relações do meu governo com o Poder Judiciário. Há um adágio, um provérbio popular, que circula entre advogados e até entre os magistrados, que diz que alguns juízes pensam que são deuses e que alguns magistrados têm certeza que são. Se hoje se diz assim, imagine como era no meado do século passado. Certamente que não todos, porém alguns juízes insinuavam favores em troca de uma decisão favorável ao Estado, mesmo que o Estado houvesse observado toda a legislação e todas as normas legais referentes aos processos que eles estavam julgando. Sempre procurei explicações para isso, até que um dos meus secretários, não me lembro qual deles, me alertou para o fato de que esses mesmos juízes eram oriundos de famílias que se dedicavam à política partidária em seus Municípios”.
E quanto ao Tribunal de Justiça do Estado? Perguntei. A resposta de Aluízio foi surpreendente, no seu final:
“Para o filosofo inglês Thomas Hobbes [novamente Aluízio consultou um dos livros que estava lendo na ocasião], a justiça é um valor intrínseco do ser urbano, civilizado. É o que deu razão à criação e o que dá sustentação à existência do Estado. Com seu papel de mediadora política, exerce a função de encontrar soluções para os desacordos entre os vários órgãos do aparato estatal, visando à estabilidade nas suas relações. Esse conceito sobre a justiça exige, entre outras coisas, que seus procedimentos sejam envoltos em garantias que vão além da lisura processual. Exige, também, lisura pessoal dos julgadores. Somente assim se tem um arcabouço jurídico que respeita e justifica seus objetivos.
Quando assumi o governo ainda havia muitas mágoas remanescentes da campanha. Afinal até pouco tempo antes eu fazia parte da UDN, que no Rio Grande do Norte era comandada por Dinarte Mariz e muitos desembargadores eram e continuavam sendo extremamente ligados a ele. Então entre esses magistrado criou-se um clima anti-Aluízio, ambiente no qual germinou e cresceu uma ala (se assim se pode chamar) organizada que atuava contra mim e, por decorrência, contra os interesses do meu governo. Esse foi um caso bastante estressante e desconcertante, que levou a que se cometessem excessos de ambos os lados.
Em determinada ocasião, eu necessitei de uma decisão ou parecer do Tribunal (não me lembro bem qual era) que repercutia profundamente na economia do Estado. Na mesma ocasião em que recebi a decisão da Corte Judiciária, que era contraria as pretensões do governo, recebi também um oficio do mesmo Tribunal pedindo a liberação de verbas para pintar seu prédio. O meu despacho no processo foi dado por escrito e formulado em clima de revide, e foi mais ou menos assim: ‘já que não posso limpar por dentro, vamos pintar por fora’. Confesso que foi uma impropriedade, um ato não político. Hoje eu teria sido mais sensato e não o faria nesses termos.
Porém o marcante era o paradoxo dos fatos. A origem de todos esses atritos entre o governo do Estado e o Tribunal de Justiça era um posicionamento tomado a priori por aquela ala contrária ao meu governo, melhor dizendo, contrária a pessoa de Aluízio Alves. Ora, os desembargadores que se alinhavam a Dinarte quase que controlavam o Tribunal, descaracterizando-o como corte de justiça. Embora abstrato, o termo justiça é perfeitamente entendido por todos como aquilo que é justo, que está em conformidade com as leis. E não aquilo que é submisso aos interesses dos julgadores”. fonte:Tribuna do Norte/camocim belo mar blog
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