Localidades dos morros do Alemão, Nova Brasília e Fazendinha ainda convivem com a circulação diária de traficantes. Em duas delas, tiroteios seguem causando pânico
Rio - Os seguidos episódios de violência protagonizados por criminosos no Complexo do Alemão têm deixado a população local em estado de alerta e amedrontada. E também serviram para comprovar que, mesmo com a existência de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no conjunto de favelas, traficantes voltaram a circular impunemente e, de forma velada ou não, ainda ditam regras. Com ajuda de moradores e da própria polícia, O DIA mapeou as seis áreas mais críticas na região.
No Morro do Alemão, a Pedra do Sapo é a principal delas: ali, criminosos continuam vendendo drogas e afrontando constantemente a política de pacificação. O Areal é outra localidade dominada pelo tráfico. Segundo policiais, há constantes tiroteios com traficantes nos dois pontos.
“Os bandidos só tiraram as armas pesadas da nossa vista, porque o resto está tudo igual. Os olheiros continuam nos vigiando. A gente nem pode conversar com estranhos”, disse uma mulher, que pediu para não ser identificada.“Há muitos furtos aqui”, reclamou um comerciante.
Na Favela Nova Brasília, as regiões do Chuveirinho e Praça do Samba são as mais críticas, mas, segundo a polícia, ali os confrontos cessaram e há apenas tráfico. Foi na UPP da Nova Brasília que, há pouco mais de um ano, a soldado Fabiana Aparecida de Souza foi morta durante tiroteio.
Ainda no Complexo do Alemão, na Favela da Fazendinha, o tráfico permanece atuante nas áreas da Casinhas e Zona do Medo. A polícia frisa que nessas áreas não há mais confrontos.
Ainda no Complexo do Alemão, na Favela da Fazendinha, o tráfico permanece atuante nas áreas da Casinhas e Zona do Medo. A polícia frisa que nessas áreas não há mais confrontos.
No vizinho Complexo da Penha, as comunidades da Vila Cruzeiro e do Parque Proletário são as áreas que ainda apresentam problemas, segundo policiais lotados nas UPPs da região. A Vacaria, um dos acessos à Vila Cruzeiro, é a pior delas, embora a polícia garanta que ali não haja mais confronto, “apenas” tráfico.
De acordo com a Secretaria de Segurança, “o balanço das UPPs é positivo”. “Não é um projeto pronto e acabado, pois precisa ser constantemente avaliado e ajustado. Cada comunidade tem uma característica, e a prática tem mostrado que o planejamento de Inteligência é fundamental para o sucesso de uma UPP’.
Balas perdidas, mortes e luto forçadoTiroteios durante a noite, casos de balas perdidas, mortes, além de escolas e lojas fechadas num luto forçado. Com uma frequência mais habitual do que o morador da região esperava, esse panorama domina os complexos da Alemão e Penha. Outros casos que ganharam repercussão nacional foram os quatro ataques a sedes das ONG AfroReggae, que chegou a fechar as portas nos complexos.
No Parque Proletário, Penha, moradores fizeram críticas aos PMs lotados na favela: “A gente não pode mais andar livremente porque é sempre abordado. Mandam a gente até tirar a roupa”, denunciou um morador.
A PM, em nota oficial, afirmou que traficantes passaram a adotar códigos. Um deles: para atrair usuários e despistar a polícia, bandidos usam a aba do boné virada para o lado e oferecem cigarro com maço na mão a ‘clientes em potencial’.
Sobre investigações do tráfico após a pacificação, a Polícia Civil informou que, inicialmente, inquérito da 22ª DP (Penha) indiciou 13 pessoas e oito acabaram presas. Outros 14 procedimentos foram instaurados, 13 deles resultando em prisão de um ou mais bandidos.
Instalação de UPP na Maré, um desafio
Os constantes confrontos nos complexos da Penha e Alemão têm levado a PM a tentar reformular o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora para áreas extensas. O novo projeto contemplaria a Maré, que está na lista para região a receber uma UPP.
No entanto, as adaptações ao projeto original estariam encontrando resistência do secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, que não quer mexer na estrutura, aplicada nas já implantadas 33 unidades. Essa discussão seria um dos motivos de um atraso do início do processo de pacificação da Maré.
O planejamento da ocupação da Maré começou há um ano. Tomar o território não será missão fácil. A região é formada por 15 favelas, dominadas por duas facções criminosas e um grupo miliciano. A área é um dos maiores redutos de venda de drogas e concentra boa parte das quadrilhas de roubos nas vias expressas do Rio. Deverão ser instaladas três UPPs, com 1.600 homens. O efetivo é o maior empregado em favelas e equivale a três batalhões.
Para especialista no Alemão e na Penha, só sobrou a PM patrulhando
Especialistas em temas ligados à segurança e violência são unânimes em afirmar que as UPPs de um modo geral, principalmente as localizadas em grandes áreas territoriais, têm que passar a ser tratadas como um modelo integrado de governo, de segurança pública, e não apenas como um projeto da Polícia Militar.
“No Alemão e na Penha, após o controle territorial, só sobrou a PM patrulhando. Tem que haver integração com setores de inteligência de segurança em geral, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, entre outros, que, unidos, poderão dar pronta resposta em caso de necessidade e prevenir conflitos. Cadê essas forças? Só a PM não fará o verão da pacificação”, diz a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) da Universidade Cândido Mendes.
Para Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), consultor e especialista em negociação de conflitos, o estado não pode recuar no processo de pacificação, mas concorda com Jacqueline. “Só a PM atuando em áreas que voltaram a ter confrontos, me preocupa. Assim, a pacificação não produzirá os efeitos esperados a longo prazo”, alerta. “Falta também mais investigação por parte da Polícia Civil e prisões dos criminosos que tentam recuperar uma das regiões mais lucrativas do tráfico no Rio”.
Para o professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, a pacificação do Alemão “está no meio do caminho”. Segundo ele, a maioria dos moradores dos dois complexos ainda não confia na polícia e por isso continua obedecendo ordens de traficantes da região. “A população se sente entre a cruz e a espada”. (Francisco Edson Alves).
fonte:O Dia RJ/camocim belo mar blog
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