Ruth Costas
Na semana passada, em meio aos esforços para distender as relações com o Congresso e esvaziar a campanha por seu impeachment, a presidente Dilma Rousseff lançou, em um discurso no Itamaraty, um argumento relativamente novo contra seu afastamento: vai pegar mal lá fora.
"O Estado nacional brasileiro só é respeitado no mundo na medida em que em nosso território se exerce e se respeita plenamente a soberania popular. Essa soberania significa submissão à vontade geral expressa nas urnas", disse.
Neste domingo, manifestações antigoverno reuniram centenas de milhares de pessoas nos 26 Estados e no Distrito Federal - e, de acordo com o instituto Datafolha, ao menos em São Paulo, 82% dos manifestantes apoiariam um impeachment.
É impossível prever quanto o argumento de Dilma pode ser eficiente para dissuadir atores políticos e os brasileiros que seriam a favor de um processo para afastá-la.
Mas o discurso da presidente parece se embeber de uma percepção que de fato estaria ganhando força fora do país, segundo grande parte dos especialistas estrangeiros consultados pela BBC Brasil - embora essa avaliação não seja unanimidade.
Nesta segunda-feira, por exemplo, o jornal financeiro britânico Financial Times, que vinha adotando um tom bastante crítico ao governo Dilma, publicou um editorial defendendo que, apesar de estar em uma "posição precária" devido à economia e ao escândalo de corrupção revelado pela Operação Lava Jato, a presidente deve terminar seu mandato.
Segundo o texto, se Dilma for afastada, provavelmente será substituída por outro "político medíocre".
Recentemente, a agência de notícias Bloomberg também defendeu, em editorial, que a saída de Dilma não melhoraria a situação econômica brasileira. “E se ampliar a confusão política, pode até piorar.” E o jornal americano New York Timespublicou na quinta-feira uma reportagem em que cita analistas que acreditam que “se (Dilma) Rousseff for retirada do poder por seus adversários sem nenhuma evidência explícita de irregularidades, a democracia do Brasil pode ser mais frágil do que se pensava, o que leva a comparações com um período que muitos brasileiros acreditavam ter superado."
“Até pouco tempo o Brasil era visto como um exemplo de estabilidade entre os países latino-americanos e emergentes e, sem uma justificativa clara e forte, um impeachment poderia ser percebido por observadores como uma volta ao passado”, opina Matthew M. Taylor, professor da American University e pesquisador do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center.
“Poderia ser um revés para a imagem do Brasil no exterior.”
Melhoria institucional
Para Taylor, a impressão de muita gente que vê de fora é que essa crise econômica e política evoluiu rápido demais no Brasil. Também seria difícil entender o que mudou nos últimos meses para que os brasileiros, que acabaram de eleger Dilma, estejam tão convencidos que há razões suficientes para justificar sua saída.
“Em parte, essa crise e o escândalo (da Lava Jato) podem ser interpretados como um sinal de que as instituições brasileiras são fortes, a separação de poderes é respeitada e há um esforço de combate à corrupção. Mas no caso de um eventual impeachment também haverá quem vai prestar mais atenção ao fato de que, dos quatro presidentes que o Brasil teve após a retomada da democracia, dois não terminaram seus mandatos.”
Com o aprofundamento da crise política, um número cada vez maior de consultorias passaram a incluir em suas análises apostas sobre a possibilidade de um afastamento da presidente.
Para a Arko Advice, por exemplo, o risco de um impeachment hoje é de 40%. Já o Eurasia Group avalia em 30% a possibilidade de que Dilma não termine seu mandato.
A maior parte dos brasilianistas e especialistas estrangeiros consultados pela BBC Brasil consideram um impeachment pouco provável.
E eles ressaltam que, se houver um afastamento, é preciso que fiquem bem claras as bases legais para tal processo - ou seja, que seja incontestável a "culpa" de Dilma em infrações passíveis de punição com impeachment.
"Caso contrário a presidente pode sair-se como uma vítima ou símbolo de uma fragilidade democrática brasileira”, diz Peter H. Smith, professor da Universidade da Califórnia e autor do livro Democracy in Latin America (Democracia na América Latina, em tradução livre).
Smith lembra que o próprio presidente americano Barack Obama já enfrentou períodos de crise econômica e paralisação política em função da oposição do Congresso.
“A reação internacional para um impeachment dependeria dos motivos alegados para este afastamento. Você não pode tirar um presidente só porque ele é impopular. Tem de haver um ato de irresponsabilidade ou falta de ética. Se o caso for frívolo, haverá muitas críticas em relação ao Brasil e à democracia do país.”
Michael Shifter, presidente do think tank americano Inter-American Dialogue, em Washington, concorda. “Um país afastar um presidente porque está experimentando dificuldades econômicas e políticas não é um precedente saudável e pode só aumentar as incertezas”, diz ele.
“Nos EUA, haveria preocupação sobre as implicações regionais de um processo como esse, em um momento em que outros países também estão passando por situações difíceis”.
Timothy Power, especialista em Brasil da Universidade de Oxford, no Reino Unido, também endossa o coro de que, ao menos hoje, um impeachment seria visto negativamente do exterior.
“Seriam necessárias evidências incontestáveis de que Dilma cometeu uma infração punível com impeachment. E elas não surgiram ainda.”
Outro lado
Mas também há quem discorde - principalmente entre consultores e analistas que estão em contato mais direto com investidores.
Richard Lapper, por exemplo, que foi diretor do Brazil Confidential - o serviço de análises sobre o Brasil do jornal britânico Financial Times - e que hoje atua como consultor independente, ressalta que a percepção sobre um eventual afastamento da presidente dependeria não só da forma e momento em que ele seja levado adiante, mas também do tipo de governo que seria instalado depois da saída de Dilma.
“No caso dos investidores, o Brasil já decepcionou tanto que não acho que é esse debate sobre impeachment que vai fazer a diferença”, diz ele.
“Eles parecem estar muito mais preocupados sobre se o país vai perder o grau de investimento ou não, por exemplo.”
O brasileiro Marcos Troyjo, diretor do BRICLab na Universidade de Columbia vai além.
Para ele, é possível até que a permanência de Dilma seja considerada o pior cenário por parte dos que investem no país.
“As políticas econômicas da presidente foram muito mal vistas e há quem entenda que prolongar a sua gestão por mais três anos seja estender o martírio” diz ele.
“Um impeachment, afinal, faz parte das regras do jogo, não representa uma quebra da ordem democrática."
Para Wendy Hunter, especialista em América Latina da Universidade do Texas, é natural que investidores e o mercado financeiro “tenham um horizonte de mais curto prazo” ao analisar a crise política brasileira, já que para eles "se um eventual novo governo tiver políticas pró-mercado é isso o que mais interessa.”
“É realmente uma pena que, apesar de o Brasil ter feito sérios avanços em áreas como combate à pobreza, saúde pública, independência do Judiciário e trabalho do Ministério Público, tudo o que se ouve sobre o país recentemente são os escândalos de corrupção e a crise econômica e política”, diz Hunter.
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