Oitenta
anos atrás, o Manifesto dos pioneiros da educação nova, que lançou as
bases para uma escola pública de qualidade no Brasil, foi publicado. O
documento, que até hoje serve de referência para a busca por melhorias
no ensino, é simples ao mencionar o professor: “De todas as funções
públicas, a mais importante”. De 1932 par cá, entretanto, a carreira vem
se tornando cada vez menos atrativa. Salários pouco expressivos,
formação inadequada para encarar a sala de aula e falta de condições de
trabalho formam o problema que o governo, nas três instâncias, precisa
enfrentar.
“Não há dúvidas de que qualquer
iniciativa que desconsidere a valorização do professor será incapaz de
mudar o atual quadro da educação”, afirma Romualdo Portela, professor de
política educacional na Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (USP). De acordo com ele, o primeiro objetivo é garantir uma boa
formação. “Vivemos um ciclo perverso, em que o aluno de baixo rendimento
no ensino médio, formado geralmente pelo ensino privado de baixa
qualidade, é o que vai para a sala de aula ser professor, perpetuando o
ciclo“, afirma.
A formação defasada do professor
brasileiro pode ser atestada por números. Dados do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao
Ministério da Educação (MEC), revelam que um em cada quatro docentes não
tem a formação de nível superior. Apesar das iniciativas do governo
federal, que oferece cursos de graduação e de aperfeiçoamento de
professores, o número de matriculados ainda é baixo: cerca de 175 mil –
aproximadamente 30% da quantidade de docentes sem o terceiro grau. Além
disso, o índice de desistência é alto, aponta Heleno Araújo, dirigente
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que atua
em Pernambuco.
“A média é de 32% de desistências
em Pernambuco nos cursos da Plataforma Paulo Freire, para professores
que não têm o nível superior. Entre as principais causas, está o fato de
as aulas presenciais, quinzenalmente, serem em polos distantes de
algumas cidades. Muitas vezes, o professor não tem nem dinheiro para o
transporte. Outra coisa é o tempo. Como eles não são liberados de suas
escolas, alguns não conseguem conciliar“, diz Araújo. O MEC não soube informar o índice de abandono dos cursos ofertados aos professores.
Exercício de fé
Apesar das dificuldades, há
professores brasileiros com fé na profissão. Uma pesquisa realizada em
2010 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que 50%
afirmaram que fariam a mesma escolha se pudessem voltar no tempo. A
professora do ensino infantil Juciane Melo Cipriano, 44 anos, está nessa
parcela. A realidade, muitas vezes desestimulante, não tirou o
idealismo dos olhos dela. Ao falar dos desafios da profissão, que ela
exerce há 25 anos, a voz embarga e os olhos enchem de lágrima. “Eu
sou apaixonada pelo que faço, principalmente, porque consigo ver o
resultado na vida da criança. O professor enfrenta obstáculos, mas com
paixão a gente não desiste. Se você não acredita, melhor escolher outra
profissão“, afirma.
A receita de sucesso para fazer a
diferença em sala de aula segue três passos simples: escutar, conhecer e
conquistar o aluno. Apesar do otimismo, Juciane reconhece que o ensino
no país ainda precisa avançar muito. Entre as críticas, a recém-eleita
diretora da Escola Classe 111 Sul aponta problemas na infraestrutura dos
colégios e na remuneração dos docentes. “Falta valorização da
carreira. O professor não é visto da mesma forma que os outros
profissionais com ensino superior. O próprio docente nem sempre se
valoriza.”
“De todas as funções públicas, a mais importante”
Referência ao papel do professor, segundo o Manifesto dos pioneiros da educação nova, lançado em 1932
“Vivemos um ciclo perverso, em que
o aluno de baixo rendimento no ensino médio, formado geralmente pelo
ensino privado de baixa qualidade, é o que vai para a sala de aula ser
professor, perpetuando o ciclo“
Romualdo Portela, professor de política educacional
Duas perguntas para Cesar Callegari, secretário de Educação Básica do MEC
O que pode ser feito para melhorar a formação do professor no Brasil?
É verdade que muitos dos que dão aulas
nas diferentes áreas do conhecimento, como matemática, português e
biologia, não têm formação adequada, não estão licenciados para isso. É
um grande desafio, que precisa ser enfrentado. Já passaram 300 mil
professores nos últimos cinco anos pelos programas Pró-Letramento e o
Gestar, do MEC. Os grandes investimentos que serão feitos, de agora em
diante, serão voltados à valorização do professor, pois precisamos
atrair para o magistério os melhores entre os melhores, para termos uma
educação de qualidade no Brasil.
E a questão salarial?
O estabelecimento do piso nacional é
mais uma medida que tende a tornar a carreira do magistério atraente.
Somos favoráveis, não apenas pela questão salarial, mas porque trata de
um plano de carreira para os profissionais. Sabemos da dificuldade de
estados e municípios e suplementamos, quando necessário, os recursos
para a educação dos entes por meio do Fundeb. Acredito que estamos
construindo uma série de motivações para parcelas significativas da
juventude passarem a considerar a carreira de professor como uma opção
real de vida e de trabalho. Hoje, a opção pelo magistério é secundária.
A polêmica que envolve o piso
Para promover a valorização do
profissional, foi instituído, em 2008, o piso nacional da educação, hoje
calculado em R$ 1.451. Mas sindicatos e governos vivem em pé de guerra
por conta dos reajustes, indexados à atualização anual do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb) – de 22% em 2012. Com isso, estados e
municípios se dizem sem condições de pagar. Já existe, inclusive, um
projeto de lei no Congresso Nacional para mudar a forma de reajuste do
piso, passando a ser alterado pelos índices da inflação.
“É preciso modificar, de fato,
esse cálculo, caso contrário, ficará mesmo inviável as prefeituras e os
estados pagarem. Mas, enquanto isso não ocorre, as categorias vão
reivindicar seu direito, é legítimo”, afirma Carlos Eduardo Sanches,
ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) e integrante do Conselho Estadual de Educação do Paraná. Para
Heleno Araújo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE), o piso é fundamental para promover a valorização do docente. “É
claro que há outras demandas, mas salário é importante para qualquer
carreira.” Ele cita pelo menos dois estados que não estão pagando o piso: Rio Grande do Sul e parte de Minas Gerais. (RM e PF).fonte:site barra/camocim belo mar blog
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