Silvyo Amarante coleciona quadrinhos há mais de 50 anos. (Foto: Diana Vasconcelos/G1 CE)
Uma paixão que já dura uma vida. Aos 59 anos de idade, Silvyo Amarante
admira, lê e coleciona todos os tipos de quadrinhos desde os seis. São
mais de 150 mil revistas espalhadas em quatro depósitos, além dos
exemplares que tem na loja que montou há 15 anos em
Fortaleza, um estoque tão grande quanto a coleção particular. Para Amarante, o hobby virou estilo de vida.
Fã de criações dos desenhistas e roteiristas Hall Foster (1892-1982) e
Frank Miller, autores de "O Príncipe Valente" e "A queda de Murdock",
respectivamente, Amarante fala com orgulho das obras que guarda como
tesouros. "'O Príncipe Valente' é deslumbrante. Fazer algo assim em uma
época sem recursos, imagino o que ele [Foster] faria hoje", afirma.
Clássicos da década de 1940, como as revistas "O Guri e Gibi", que
acabaram virando sinônimo de quadrinhos no Brasil, também fazem parte da
coleção. Mas Amarante revela que o acervo vai além dos quadrinhos. Ele
diz ter todas as edições da "Revista do Esporte" e da revista masculina
"Playboy", por exemplo. "Uma vez tive a ideia de fazer um museu para
consultas. Um dia um estudante veio e roubou sete Playboys minhas. Me
zanguei e acabei com o museu", conta o colecionador, que tem como peça
mais antiga uma revista portuguesa de 1904.
“Graças a minha coleção me tornei amigo de artistas que admiro, como Al
Rio [Mulher Maravilha], Ed Bennes [Liga da Justiça] e Clark Kenji
Yamamoto [artista independente]. Já trabalhei escrevendo monólogos para
Chico Anysio e conheci outros tantos talentos, me sinto um
privilegiado”, afirma o colecionador que já foi chamado de louco por
parentes e amigos.
Colecionador tem todos os números de "Roy Rogeres" e "Aí Mocinho", da Editora Brasil-América. (Foto: Diana Vasconcelos/G1 Ceará)
O começo
A paixão começou quando ele passou a ler as charges da revista “O
Cruzeiro”, em especial, “Os Amigos da Onça”, que o dono de uma fábrica
de sapatos no Centro de Fortaleza colava nas paredes do estabelecimento.
“Eu tinha seis anos e morava vizinho à fábrica. Passava horas lendo as
charges e o dono me emprestava um cavalete para eu ler as mais altas”,
conta o colecionador.
Nessa época, passou a pedir quadrinhos ao pai como presente. Aos 10
anos, quando já frequentava uma feira de colecionadores aos domingos no
Centro de Fortaleza, encontrou um senhor tentando se desfazer de uma
pilha de revistas. “Passei o dia inteiro na casa dele. Voltei para casa
umas 21h em um carro cheio de revistas, no meu colo, no banco de trás,
no porta-malas, umas de duas mil que eu comprei sem ter um tostão no
bolso. Saí da casa do velhinho dizendo que meu pai ia pagar”, afirma.
Mas, ao chegar em casa, o garoto fã de quadrinhos encontrou todos
chorando pelo desaparecimento dele. “Quando me viram com revistas, meu
pai disse para não falarem nada porque eu era doido”, disse sorrindo .
“Meu pai pagou tudo para o velhinho”, lembra. O problema passou a ser o
espaço para guardar tantos quadrinhos. O tempo passou e Silvyo Amarante,
aos 17 anos, montou a primeira loja, localizada no Centro da cidade com
cinco funcionários.
No
mural de autógrafos, o colecionador exibe artes exclusivas de Al Rio,
Maurício de Souza e Ziraldo. (Foto: Diana Vasconcelos/G1 Ceará)
Juventude
“O piso do mezanino era coberto de posteres de mulheres nuas, todos
tinham de tirar os sapatos para entrar. O pessoal adorava, não era fácil
conseguir aquilo” contou. A loja só durou um ano, a proprietária do
prédio não quis renovar o contrato de aluguel porque achava o ambiente
“errado”. O jovem então partiu para a faculdade, fez seis semestres de
economia e seis de administração, largou as duas faculdades e disse para
o pai que se continuasse seria “um péssimo administrador e um
economista medíocre”.
“Ele [o pai] me respondeu que eu só servia para duas coisas, cuidar de
uma casa de jogos ou de uma livraria. Ele estava certo, acabei abrindo
uma lotérica [em 1984] e o nome era Quadrinhos. As pessoas achavam que
era por causa da cerâmica nas paredes, mas era por causa das revistas
que estavam por toda parte”, conta. Mas antes da lotérica, em 1982,
Silvyo se casou e passou por tempos financeiros difíceis.
Sem espaço
Amarante conta que eles alugaram dois apartamentos no Bairro Dionísio
Torres, em Fortaleza. No 3º andar eles moravam, no 2º funcionava um
depósito de revistas. A renda melhorou quando o colecionador conseguiu a
lotérica. “Eu tinha revistas em todo lugar, em casa, no apartamento de
baixo, nas escadarias do prédio, na casa da minha mãe, numa fazenda do
meu pai e na lotérica. Chegou ao ponto de as pessoas encontrarem
revistas até nas mesas usadas para fazer os jogos”, diz Amarante, que se
tornou pai também em 1984.
Em dezembro de 1989, Amarante usou tudo que tinha na poupança (10
milhões de cruzados) e o dinheiro da venda de um terreno (50 milhões de
cruzados) para comprar a coleção de três mil exemplares de um amigo
empresário. “Depois de vender 598 exemplares, consegui 183 milhões de
cruzados’’, uma espécie de vingança, segundo ele, contra os que
consideraram a compra uma loucura.
Texto do monólogo "M" foi publicado em um
livro pelo colecionador.
(Foto: Diana Vasconcelos/G1 CE)
Com o aumento da coleção, Amarante disse que um depósito que pudesse
receber todo o acervo se fez necessário. O colecionador, então, preparou
um grande depósito ao lado da casa do pai por volta de 1994. A mudança
do material foi feita em um dia, o mesmo em que ele prestigiava uma
apresentação de Chico Anysio onde declamava o texto “M”, escrito por
Amarante e que virou livro em 2011 (Editora Expressão Gráfica). As
caixas foram empilhadas para serem arrumadas depois.
“Naquela noite teve uma chuva fina, o riacho perto da casa do meu pai
subiu. No dia seguinte me ligaram falando que o depósito tinha alagado.
Só lembro de abrir duas caixas com coleções estragadas: Roy Rogeres
[década de 50, Editora Brasil-América] e Gene Autry [década de 40,
Editora Brasil-América] dos números um ao 100, duas das mais valiosas
que eu tinha. Daí pra frente só lembro que passei o dia jogando caixas
foras”, conta, acrescentando, “o trauma foi tão grande que de lá para cá
só entrei umas 20 vezes no depósito, não gosto”.
Mesmo “desencantado” por causa do incidente do alagamento, a coleção do
empresário cresceu consideravelmente, preenchendo quatro depósitos.
Para ele, o lado fã ainda é o mais forte. Em 1996, desfez-se da lotérica
e montou a loja, onde também adquire exemplares para coleção sempre que
tem oportunidade, readquirindo, inclusive, todos os números de Roy
Rogeres e Playboys.
O lojista garante que não vende itens da coleção, a menos que tenha
mais de um exemplar, o que é comum. Sendo assim, a loja que mantém há 15
anos tem desde artigos à venda em qualquer banca de jornal a itens
especializados e raros. “Hoje, comercialmente o mais rentável são os
comics [histórias em quadrinhos no estilo norte-americano], mas os que
vendo em maior quantidade são os mangás [estilo japonês]. Mas também
tenho fumetti [estilo italiano], manhwa [quadrinhos asiáticos], europeu e
até os independentes”, conta.FONTE,G1,CE:POSTADO POR CAMOCIM BELO MAR BLOG