Uma das justificativas para nacionalização é redução no saldo comercial da YPF
A busca por mais produtividade da empresa petrolífera YPF, uma das justificativas dada na última segunda-feira pela presidente Cristina Kirchner para nacionalizar 51% da empresa, pode não se concretizar facilmente, pelo menos no curto prazo, segundo analistas consultados pela BBC Brasil.
Aliás, a perda de confiança do mercado, que dificultará a obtenção de capital estrangeiro, a transição de empresa privada a pública e a eventual perda de tecnologia pode levar ao efeito contrário - a menos produtividade, apontam os analistas.
Cristina anunciou a decisão de expropriar parcela da empresa de capital argentino e espanhol dizendo que, "depois de 17 anos, pela primeira vez, em 2010, tivemos que importar gás e petróleo. Também tivemos redução no saldo comercial (devido à queda nas exportações do setor), que entre 2006 e 2011 foi de 150%".
Mas, para Fiona Mackie, da Economist Intelligence Unit, "se o objetivo é aumentar a produção, a medida pode ter justamente o efeito contrário. Nacionalizações enviam um sinal muito negativo (a investidores)", diz, agregando que a isso se somam outros fatores, como a alta inflação argentina - que, para observadores, é mascarada pelas estatísticas oficiais - e o descrédito gerado por um ambiente sem um marco regulatório.
"O país fechou a porta ao financiamento internacional, e há a percepção de que o governo pode continuar a tomada de empresas", agrega Mackie.
Em entrevista à agência France Presse, o analista Gregori Volokhine, do banco de investimentos Meeschaert, disse que países emergentes como a Argentina "ainda precisam da tecnologia e do financiamento internacional. Esse tipo de ação (a nacionalização) é 'antinegócios' e não é o que eles precisam."
Para o brasileiro João Augusto Castro Neves, analista do centro americano Eurasia Group, "a transição da empresa (às mãos do poder público) não é algo tão simples. Não podemos dizer que o processo não vai dar certo, mas ele não inspira muita confiança".
Nacionalizações
As nacionalizações têm amplo histórico na América do Sul. Na última década, destacou-se o projeto nacionalista do presidente venezuelano Hugo Chávez, que levou ao controle do Estado dezenas de empresas em áreas como exploração de petróleo, cimento, construção civil, siderurgia e agronegócios, declaradas de "utilidade pública".
Equador e Bolívia também promoveram estatizações - no caso da última, a Petrobras foi diretamente afetada pela nacionalização de gás e petróleo em 2006.
Na Argentina, em 2008 o governo nacionalizou a companhia aérea Aerolíneas Argentinas e estatizou os fundos de previdência privada obrigatória.
Do lado das empresas, em geral há críticas e questionamentos à legalidade das nacionalizações, mas, no final, muitas acabam cedendo e vendendo seus ativos - em geral, por menos do que gostariam.
Em janeiro deste ano, a petrolífera Exxon ganhou em uma arbitragem internacional de janeiro passado o direito de receber US$ 908 milhões do governo venezuelano em troca de uma nacionalização de suas operações, quantia menor do que a que pleiteava.
Já do ponto de vista dos governos, opina Fiona Mackie, muitos de fato têm um argumento sólido de que privatizações ou concessões foram dadas ao setor privado por preços baixos. E, com o atual boom das commodities, os governos querem se beneficiar da exploração dos produtos naturais de seus países, muitas vezes para financiar programas e obras sociais.
Porém, há dúvidas quanto à eficiência das empresas nacionalizadas. A Bolívia agora começa a recuperar a produtividade de sua exploração de hidrocarbonetos, diz Castro Neves.
E um estudo de novembro passado da Universidade da Califórnia analisou o processo anterior de nacionalização do setor petrolífero venezuelano nos anos 1970 e observou "perdas em produtividade e produção", apesar de investimentos. Entre os motivos apontados para isso estão fatores como a perda do expertise internacional, aumento nos custos produtivos e declínio em eficiência operacional.
'Credibilidade'
Os observadores ouvidos pela BBC Brasil citam, ao mesmo tempo, exemplos bem-sucedidos de empresas estatais de commodities, como a Petrobras e a chilena Codelco, que explora cobre.
"Mas a Petrobras teve que trabalhar muito para conquistar credibilidade", opina Castro Neves. "Já a Argentina tem vários problemas de credibilidade, em curso há dez anos."
Entre esses "problemas" levantados por analistas estão a falta de confiança nos índices inflacionários, a pressão do governo sobre o Banco Central (que levou a um pedido de Cristina Kirchner pela renúncia de Martín Redrado, então presidente do BC, em janeiro de 2010) e - ainda - o calote de 2001.fonte BBC BRASIL/camocim belo mar blog