Lorella convenceu a mãe, Chela Praeli, a defender publicamente a reforma migratória
Quando deixou o Peru, há 13 anos, para viver nos Estados Unidos, Chela Praeli pressentia que estava tomando uma decisão sem volta. Mas não pensou duas vezes.
Sua filha Lorella, então com 11 anos de idade, havia acabado de perder a perna em um acidente. As possibilidades de tratamento, assim como a qualidade da tecnologia das próteses disponíveis no Peru pesaram na decisão da família de se mudar – parcialmente – para os Estados Unidos.
Até hoje, para não perder a renda do trabalho, o marido de Chela, advogado, vive na ponte aérea entre o Peru e os Estados Unidos. O casal mantém uma espécie de relacionamento à distância. "Naquele momento, eu precisava escolher entre ser mulher e ser mãe. Escolhi ser mãe", explicou Chela à BBC Brasil.
A situação se complicaria a partir de 2011, quando os Estados Unidos endureceram as regras de imigração após os atentados às Torres Gêmeas. O governo parou de renovar os vistos e Chela, que era psicóloga no Peru, se manteve nos Estados Unidos ilegalmente, limpando casas.
Hoje, com as duas filhas crescidas e saudáveis, ela diz que as decisões valeram a pena. "Não estou fazendo mal a ninguém. Vim para cá, desrespeitei a lei, mas foi por algo grande. Era a recuperação da minha filha", disse.
Inspiração
Chela é um dos – ainda raros – pais que, inspirados por seus próprios filhos, decidiram contar a sua história na tentativa de influenciar um debate que promete ganhar corpo no ano que vem: as discussões sobre uma reforma migratória abrangente nos Estados Unidos.
Os chamados Dreamers, ou sonhadores – os filhos de imigrantes trazidos ilegalmente para o país quando crianças – já são considerados por muitos observadores da política americana como um dos acontecimentos mais importantes a desabrochar em 2012.
Mas diferentemente da segunda, a primeira geração nessas famílias de imigrantes ainda permanece firmemente invisível na sociedade americana.
"Foi Lorella quem assumiu primeiro a responsabilidade de dar a cara por nós, por essa população que vive oculta, nas sombras", contou Chela. "Foi minha filha que me deu a segurança e a coragem que me faltava (para lutar pela legalização)."
Como Chela, o mexicano Juan José Zorrilla, 40, que vive nos Estados Unidos desde 1996, se diz "fascinado" com o movimento do qual a filha de 19 anos é uma liderança.
No último congresso de entidades pró-imigração, realizado neste mês na Cidade do Kansas, Missouri, ambos participaram de uma modesta "cerimônia" para marcar o momento em que decidiram "sair das sombras".
"Este é o momento de nos unirmos a este movimento. Isto vai reunir uma força extraordinária e o que está por vir é ainda maior", acredita Zorrilla.
"Nós, pais, não estamos nos engajando para impulsionar os nossos filhos. Eles não precisam, já conseguiram muitas coisas sem a gente. Queremos tirar proveito da esperança de ver uma reforma migratória abrangente."
Paradoxo migratório
Lizeth (em primeiro plano) levou o pai, Juan José, para a organização United We Dream
A pressão por uma reforma migratória nos Estados Unidos aumentou após as eleições de novembro. O tema mobilizou os latinos, que hoje compõem 10% do eleitorado, e foi alvo de uma promessa expressa do recém-reeleito presidente.
Em junho, a pressão política dos "sonhadores" já havia levado o governo Obama a anunciar um visto de trabalho temporário para os que cumprirem certos critérios, como ter vivido e estudado nos Estados Unidos por determinado número de anos.
Foi um impulso importante em uma discussão que está travada há mais de uma década no Congresso americano. Desde 2011 o bloco anti-imigração bloqueia a passagem do chamado Dream Act, que abriria um caminho para a naturalização destes jovens.
No entanto, nem a história positiva dos sonhadores ofuscou o fato de que o governo Obama foi o que relativamente mais deportou imigrantes ilegais na história: pouco menos de 1,5 milhão em quatro anos.
Sob o republicano George W. Bush, 2 milhões de imigrantes foram expulsos dos Estados Unidos, mas ao longo de oito anos.
Um cálculo do instituto Pew estima que 1,2 milhão de jovens podem ganhar a legalidade temporariamente através das medidas – até 1,7 milhão no futuro, segundo as projeções do Pew. Mas o grosso dos mais de 11 milhões de ilegais nos Estados Unidos continua sob o espectro da deportação.
"Estamos cansados de ver as nossas famílias separadas", diz a filha de Juan José, Lizeth Zorrilla, que milita na organização United We Dream.
"Comecei a ver meus pais também como sonhadores. Eles também querem ter uma perspectiva. E eles são a razão por que estamos aqui."
Legalidade
Lizeth obteve recentemente o cartão de seguridade social, que lhe abre as portas para um emprego formal
Desde o anúncio das medidas de alívio, mais de 300 mil jovens como Lizeth já requisitaram o visto de trabalho. Com a sua papelada aprovada, ela é um dos que já estão experimentando, pela primeira vez na vida, o sabor da legalidade no país que considera como sendo a sua verdadeira casa.
Recentemente, Lizeth postou no Facebook uma foto com seu recém-obtido cartão de seguridade social, que lhe abre as portas para um emprego formal, bolsas de estudos a ajudas financeiras para a educação nos Estados Unidos.
"Me enche de alegria ter esse cartão nas minhas mãos", relata. "É uma sensação muito positiva, mas queremos mais."
Aos 19 anos, a filha mais velha de quatro irmãos diz que "a verdadeira bênção" é poder trabalhar e ajudar no orçamento familiar.
"Nossos filhos não podem ser felizes, porque sabem que nós continuamos em perigo de deportação", diz Chela.fonte:BBC Brasil/camocim belo mar blog