Por Rafael Ramos*
Vou contar uma anedota aqui pra vocês, que se encaixa perfeitamente como uma crônica da vida real.
Como a maioria deve saber, moro na Holanda, onde o clima é diametralmente oposto ao de Fortaleza. Lá, ‘troquei’ a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) brasileira pela habilitação holandesa. O processo é simples, mas requer retenção da CNH pelo consulado brasileiro.
Carteira Nacional de Habilitação: a nacional e a holandesa (FOTO: Rafael Ramos/Montagem: Tiago Leite)
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De posse da habilitação holandesa, posso dirigir em qualquer lugar da Europa e dos EUA, mas queria ter certeza se poderia dirigir no Brasil também. Ciente de que sou o rei dos casos particulares e de que não queria ficar parado em nenhuma blitz com um cartão rosa (é, a habilitação holandesa é rosa) escrito em um idioma incompreensível e tentando me explicar pro seu guarda, resolvi confirmar se poderia dirigir no Brasil.
Depois de acessar o site do Detran-CE duas vezes (a primeira é para apreciar o redirecionamento para o site do Governo estadual), cliquei lá no ícone do envelope, certo de que haveria um e-mail-oráculo. Para minha surpresa, o ícone do envelope linkava para uma página com endereços de Facebook, Twitter, Telefone, Endereço postal. O único e-mail disponível no site do Detran-CE é o da ouvidoria, exclusivo para reclamações. Alguém faltou aula de usabilidade! Ora, eu queria fazer uma pergunta razoavelmente fora do padrão e não queria usar Twitter nem Facebook para isso… Como não gosto de gente, telefonar seria meio palha e carta, convenhamos, é um negócio muito roots. Fiquei sem opções viáveis.
Resolvi, então, enviar e-mail para a ouvidoria reclamando e perguntando como faria para fazer a pergunta original – Inception/A Origem. Fui prontamente atendido e responderam até minha pergunta inicial! Falaram inclusive que ao chegar no Brasil, poderia solicitar 2a via da minha CNH já que minha habilitação holandesa só seria válida nos 6 primeiros meses após chegada no Brasil. Ótimo, pensei. ‘Terei as duas habilitações!’. Fiz uma dancinha mental e sapateei discretamente ao ler o e-mail.
De posse das cópias e documentos necessários, fui ao Detran. Lá, informei pra mocinha do atendimento inicial que gostaria de tirar 2ª via da CNH e ela roboticamente listou os documentos necessários. Retruquei: ‘Não tenho B.O., minha CNH não foi perdida. Ela ficou no consulado brasileiro na Holanda quando fiz a troca pela habilitação holandesa.”. Visivelmente confusa, ela resolveu esse pequeno imprevisto de maneira sábia: “vou te dar essa senha aqui e tu explica isso pra quem for te atender”.
Minha vez chegou enquanto Cristiano Ronaldo aparecia na TV. Trinta minutos de jogo e o cabelo do sujeito ainda estava no lugar. Fiquei na dúvida se era gel, laquê ou pomada.
- Oi, boa tarde.. Vim aqui tirar 2a via da CNH.
- CPF, RG, COMPROVANTE DE RESIDENCIA, B.O.
- Não tenho BO… Minha CNH ficou retida no consulado brasileiro na Holanda quando a troquei pela habilitação holandesa.
Nesse momento, exibi a habilitação rosa de um jeito que deixaria Gambit com inveja.
- É O QUE?
Expliquei de novo, já esperando um “AI VAI”. Mas ele não veio. Veio só um suspiro, quase um lamento. Acho que era o derradeiro suspiro de uma boa vontade que acabara de morrer.
- ME DA AI TEUS DOCUMENTOS. E O B.O.!
- Mas não tenho B.O. já que a CNH não foi perdida, nem furtada nem roubada.
Mais um suspiro de má vontade dela e resolvi entregar o que tinha. A atendente saiu, mas rapidamente voltou.