Além de surdo, rapaz não fala e é analfabeto.
Deficiente foi encontrado sem documentos na Rodovia Raposo Tavares.
Um homem sem nome, sem endereço, sem voz e sem destino. Esta é a situação de um rapaz que foi encontrado há quase dois anos em uma propriedade rural às margens da rodovia Raposo Tavares, em Alambari (SP). Naquela noite de 23 de junho de 2010, a proprietária do sítio achou suspeita a atitude do homem, com aparência de mais de 30 anos, e acionou a polícia com medo de assalto.
Quando a polícia chegou ao local, constatou que ele só queria ajuda. Sob a suspeita de ter sido abandonado na rodovia, ele foi levado para uma entidade beneficente na cidade vizinha de Itapetininga (SP), onde vive até hoje.
Segundo Maria Lúcia Ferreira da Silva, auxiliar educacional do Serviço de Obras Sociais (S.O.S.) de Itapetininga, entidade para onde o homem foi levado, a situação continua a mesma desde quando ele chegou. Ela conta que os funcionários já fizeram bastante divulgação do caso, distribuindo fotos e telefone para contato, em várias cidades da região e em empresas de ônibus. Maria Lúcia também informa que o caso foi motivo de muitas reportagens pela imprensa, mas até agora, ninguém foi procurar pelo homem.
Alexandre Henrique Elias dos Santos, coordenador do curso de Língua Brasileira de Sinais (Libras) da Integra, uma entidade filantrópica de Sorocaba (SP) que alfabetiza pessoas com deficiência auditiva usando a Libras, diz que foi acionado assim que o homem chegou na entidade de Itapetininga para tentar um contato com ele, já que ninguém conseguia se comunicar. "Logo percebi que ele não conhecia Libras, nem língua portuguesa. Não sabia ler e escrever", conta Santos.
A falta de documento dificultou ainda mais a situação do homem, tanto por não saber o nome dele e dos pais e sua cidade de origem, como também impossibilita o cadastramento dele em qualquer entidade ou empresa. "Nós oferecemos a alfabetização para ele aqui em Sorocaba, mas, como não tem documentos, ele não conseguiu o transporte", explica Santos.
É o que também conta a auxiliar educacional. "Outra vez, precisamos levá-lo ao hospital por causa da garganta inflamada. Foi muita burocrácia para atendê-lo, por causa da falta de documentos", relata. Maria Lúcia conta que estão tentando dar outro nome para o homem, para que consiga tirar novos documentos e ser reconhecido como cidadão. "O juiz já até autorizou. O problema é que ele precisa de uma família para adotar o sobrenome, o que ainda não aconteceu", conta.
Santos comenta que a polícia chegou a colher a impressão digital dele e divulgar em delegacias de outros municípios para tentar localizar algum registro dele, mas ainda não localizaram nada.
Silvia Regina de Almeida, gestora da S.O.S., diz que o rapaz passou por exame que apontou surdez crônica. "Um exame que fez aponta para isso, mas acho que ele ouve alguma coisa já que ele tenta imitar alguns sons. O difícil é fazer exames com ele sem documentos", informa.
De acordo com Maria Lúcia, ele imita alguns sons, como buzina de carro e fogos de artifício. "Acho que ele ouve sons fortes. Ele até faz com a boca os 'buns' dos rojões".
Santos explica que o homem não deve ser mudo, já que consegue emitir sons. "As pessoas mudas não conseguem emitir nenhum som por causa da deficiência nas cordas vocais. Quando o suposto mudo consegue emitir sons, mesmo que balbucie palavras, é porque ele tem dificuldades de se comunicar pela falta da audição. Se a pessoa não ouve a palavra, não consegue reproduzir, mas não significa que é mudo. Existe uma tendência em achar que todo surdo é mudo, mas isso não é verdade", argumenta.
Conforme a gestora da S.O.S., a suspeita é que o homem tenha sido abandonado, pois quando foi encontrado, estava bem vestido, e com uma caixinha que continha R$ 150. "Algumas pessoas comentaram que ele pode ser do Paraná, mas nada confirmado. Acho que ele era morador de sítio, pois quando chegou aqui, tinha o hábito de lavar a roupa e estender em um plástico no chão ao sol, como fazem algumas pessoas do campo". Ela conta também que ele ensinou as funcionárias a matar um frango para preparar.
A convivência
Maria Lúcia conta que o homem passa 24 horas na instituição convivendo com as fucionárias. "A gente cuida dele, brinca com ele, dá presente, panetone no natal, bombons na páscoa. É como se fosse um funcionário. Não podemos nem sentar um pouco que ele não deixa, parece um chefe", brinca.
Maria Lúcia conta que o homem passa 24 horas na instituição convivendo com as fucionárias. "A gente cuida dele, brinca com ele, dá presente, panetone no natal, bombons na páscoa. É como se fosse um funcionário. Não podemos nem sentar um pouco que ele não deixa, parece um chefe", brinca.
Silvia explica que hoje o relacionamento com ele se tornou mais fácil. "De um ano para cá conseguimos nos comunicar por gestos. Ele entende e sempre nos ajuda. Até demos um nome pra ele. Escolhemos Joaquim Augusto Silva, mas chamamos de Joca", conta a gestora. Ela também diz que um casal passa na entidade uma vez por semana para ensinar Libras para o homem.
A auxiliar educacional comenta que ele já tem o cantinho dele na entidade. "O quarto que ele fica é para quatro pessoas, mas ele não deixa ninguém entrar. Se outro assistido for dormir lá, ele joga água. Tomou conta do quarto. Ele é bem brincalhão, bem moleque".
A novidade agora é que as funcionárias do S.O.S. adotaram uma cadela de rua. "Ela apareceu no portão e começamos a cuidar dela, que passou a morar aqui. Apelidamos ela de Indy. A cadela é o xodó dele. Os dois passam o dia brincando, é um correndo atrás do outro, uma loucura", revela Lúcia.
Maria Lúcia afirma que não sabe o que ira acontecer com 'Joca' no futuro. "Só queremos transformá-lo em um cidadão, algo que ele não é no momento", relata. Para quem tiver alguma informação sobre a família, cidade ou história do rapaz, pode entrar em contato com a S.O.S. pelo telefone (15) 3273-1304.
A entidade
Silvia explica que o S.O.S. é uma entidade que recebe moradores de rua. No local, eles podem tomar banho, jantar, dormir, tomar café e até almoçar, mas não ficam por lá. Os assistidos chegam por volta das 19h e deixam o local após o almoço. O serviço é oferecido, geralmente, por três dias, tempo em que as funcionárias da entidade fazem a triagem e encaminham para suas cidades de origem, voltando para a família, ou para outra entidade social. "Só o Joca que ficou com a gente esse tempo todo", conta Silvia.
Silvia explica que o S.O.S. é uma entidade que recebe moradores de rua. No local, eles podem tomar banho, jantar, dormir, tomar café e até almoçar, mas não ficam por lá. Os assistidos chegam por volta das 19h e deixam o local após o almoço. O serviço é oferecido, geralmente, por três dias, tempo em que as funcionárias da entidade fazem a triagem e encaminham para suas cidades de origem, voltando para a família, ou para outra entidade social. "Só o Joca que ficou com a gente esse tempo todo", conta Silvia.
10 anos de Libras
Alexandre dos Santos argumenta sobre a importância da Língua Brasileira de Sinais. Ele conta que, se ao menos o homem soubesse se comunicar com a Libras, seria mais fácil ajudá-lo. O professor lembra que no dia 24 de abril de 2012, a Libras completou 10 anos de reconhecimento. "Antes era vista apenas como uma comunicação alternativa. Hoje é reconhecida como uma língua, assim como a Portuguesa. Ela tem toda a sua regra, sua estrutura", explica.
Alexandre dos Santos argumenta sobre a importância da Língua Brasileira de Sinais. Ele conta que, se ao menos o homem soubesse se comunicar com a Libras, seria mais fácil ajudá-lo. O professor lembra que no dia 24 de abril de 2012, a Libras completou 10 anos de reconhecimento. "Antes era vista apenas como uma comunicação alternativa. Hoje é reconhecida como uma língua, assim como a Portuguesa. Ela tem toda a sua regra, sua estrutura", explica.
A Integra, instituição filantrópica sem fins lucrativos onde Santos leciona, atende 120 alunos de Sorocaba com problemas de surdez. Os pais de alunos surdos também têm aulas gratuitas de Libras. Já para outras pessoas da comunidade é cobrada uma taxa. O valor ajuda a manter a entidade.