Para Nelson Ned, ser anão é apenas uma caracteristica física, como a cor da pele ou dos olhos. “Minha mãe fazia questão de mostrar que eu não tinha diferença nenhuma. Minha avó até quis que eu estudasse em casa para não ser motivo de chacota, mas eu cresci como uma criança normal. Não pedi para ser desse jeito. Mas sou anão assim como o Pelé é negro. É somente um detalhe."
(Ao longo desta semana, o G1 publica uma série de entrevistas com sete ícones da música brega. Famosos há cinco décadas, eles permanecem lançando CDs e hoje são reverenciados pela nova geração de cantoras da MPB)
Primogênito dos 7 filhos de Nelson de Moura Pinto e Ned d´Ávila Pinto, ele saiu de Ubá (MG) para tentar a vida no Rio de Janeiro aos 17 anos. Começou bem distante dos palcos, trabalhando em uma linha de montagem de uma fábrica de chocolates. Cantou em boates paulistas e cariocas antes da maioridade e era escondido embaixo do balcão das casas quando o Juizado de Menores passava para fiscalizar.
Tempos depois, passou a ser figura recorrente no programa do Chacrinha, que ele considera o “pai de sua carreira artística”. Foi na televisão que conquistou espaço e sucesso com o hit "Tudo passará", uma de suas primeiras músicas.“Ele foi um divisor de águas na minha vida. Me deu oportunidade e comida. Devo muito ao falecido amigo. Foi muito difícil ser cantor de brega e anão neste país.”
Retrospectiva
O cantor tem intacta a memória dos tempos de fama. Mantém o humor e o senso crítico apurado, mas esquece rapidamente o que acabou de fazer. É incapaz de lembrar que tomou um café durante a entrevista. A sequela foi deixada pelo acidente vascular cerebral, sofrido em 2003. Hoje, ele está sob a guarda e cuidados de Neuma, uma de suas irmãs, com quem mora em São Paulo. (No vídeo, Nelson Ned canta no programa TV Mulher, em outubro de 1984)
O AVC também comprometeu a parte vocal de Nelson, que agora desafina ao cantar. A falha aos 65 anos, entretanto, não compromete a interpretação: ele estufa o peito e ergue os braços em pose de apresentação no Canecão, extinta casa de show no Rio de Janeiro e uma de suas boas lembranças no Brasil. “Tenho certeza de que fui um dos melhores cantores do mundo. Fiz muito sucesso aqui e lá fora em uma época nada globalizada. Fui o primeiro artista brasileiro a cantar no Canecão sozinho”, gaba-se.
A apresentação mais inesquecível, porém, foi longe de casa. Nelson chora ao recordar dos shows que fez no Carnegie Hall e no Madison Square Garden, ambos em Nova York. “Eu tremia demais quando pisei nesses palcos. Foi grandioso. Falar disso me emociona demais.”
No exterior, ele sentia que era tratado com respeito e pouco preconceito. Aqui, diz que foi estigmatizado por ser um anão que fazia do amor um sofrimento musical. "Lá fora eu não tinha rosto, era só uma grande voz", afirma.
“Muitos iam aos shows para vê-lo sem nem saber que ele era anão, descobriam lá, ao vivo. Gostavam demais da voz dele. O tamanho era secundário”, complementa a irmã.
Nelson Ned se diz emocionado ao recordar sua carreira na música brasileira (Foto: Caio Kenji/G1)
Galã
Embora tenha sofrido o que hoje foi patenteado de “bullying”, as chacotas e rótulos não o impediram de fazer sucesso com o público feminino. Ao saber que o amigo e cantor Agnaldo Timóteo o considera “um anão tarado, terror das mulheres”, Ned gargalha e confirma a definição. “Elas queriam me carregar no colo, era uma coisa maternal. Viam-me como uma teteia, como se eu fosse inofensivo”, diverte-se.
As aventuras foram incontáveis, mas os amores verdadeiros ele resume a três mulheres. A primeira paixão foi Eliciane, filha de um gerente na fábrica de chocolates. Depois veio Marly, com quem teve três filhos e, por fim, Cida, sua segunda e atual mulher, com quem deixou de viver desde que sofreu o AVC. Os três romances subsidiaram sofrimentos e foram usados como matéria-prima para compor. “Sou um cantor romântico apaixonado. Sempre precisei de solidão, dor e amor para escrever.”
Família de Ned guarda recortes de jornais e discos
do cantor em um síto no interior de São Paulo
(Foto: Caio Kenji/G1)
Multicultural
Com 32 discos gravados em português e espanhol, ele se considera um poliglota. Diz que, assim como os jogadores de futebol, aprendeu a falar inglês, espanhol e italiano de tanto frequentar os EUA, a Europa e América Latina. “De tanto cantar, eu acabei pegando rapidamente o sotaque. Aprendia as letras em diferentes nacionalidades, e isso facilitava. Em espanhol, até pareço nativo, é perfeito.”
Ned não desgosta de ninguém. Admira o cantor Roberto Carlos, mas acha que ele conseguiu se descolar do estigma de brega, feito não alcançado por ele e os demais cantores de boleros românticos. “Ele é tão bom quanto eu, gosto muito dele. Talvez tenha dado mais sorte, foi mais fácil pra ele do que para mim.”
Das canções mais lindas que já escutou na vida, tem como preferida uma de suas primeiras composições: “Tudo passará”.“É a que mais gosto. Quando cantei em um programa fui aplaudido de pé no meio da música. Isso é ser brega? Quem não é brega quando fala de amor? É o amor que é brega, não a minha música.”
Principais discos: 1999 - Tudo passará/Meu jeito de amar, 1999 - Os melhores tangos e boleros, 1998 - Seleção de ouro/20 sucessos, 1997 - Jesus está voltando, 1993 - El romantico de América, 1992 - Penso em você , 1979 - Meu jeito de amar, 1970 - Nelson Ned, 1969 - Tudo passará, 1960 - Eu sonhei que tu estavas tão linda/Prelúdio à volta.fonte:g1 SP/camocim belo mar blog