Roberta foi para Grécia em busca de trabalho e não quer voltar, apesar da crise
Aumentos de impostos, sucessivas
altas nas tarifas de serviço público, corte de pensões e salários,
demissões e medo do dia de amanhã. Tudo isso faz parte das experiências
da comunidade brasileira na Grécia.
Relatos dos residentes dão a dimensão do aprofundamento da situação no país, símbolo maior da mais grave crise da zona do euro.
Por outro lado, mostram como a vivência na antes turbulenta economia brasileira ajuda a dar fôlego para superar o mau momento.
Apesar da crise, a manicure Roberta de Souza
Raimundo, na Grécia há 11 anos, não pensa em regressar ao Brasil.
"Enquanto eu puder, vou ficar e apoiar, porque me receberam muito bem em
uma época que não havia oportunidade no Brasil", conta ela.
Roberta cursou faculdade de Hotelaria, foi para a
Grécia de férias, ficou 4 anos ilegal no país, casou-se e acabou se
dedicando à atividade da tia. "Eu gostei tanto daqui que aprendi o
idioma em três meses", lembra.
"Mas, como os gregos têm dito ultimamente,
teremos que aprender a viver com menos. Para nós brasileiros, nascidos
na crise, este não chega a ser um grande problema", acrescenta.
Muitos de seus clientes Roberta herdou da tia,
Márcia de Souza Batista, que com o marido desempregado há meses e a
clientela reduzida a 50%, não viu outra saída a não ser deixar a Grécia,
país onde morou por 18 anos.
Motivada pelo bom momento da economia brasileira
Márcia resolveu fazer o caminho de volta. Hoje ela mora em São Paulo,
onde abriu uma lanchonete com o marido.
"Fui para a Grécia porque o Brasil estava em
crise", conta ela. "Estamos indo bem. Embora eu sinta dó dos gregos,
acho que saí na hora certa", avalia.
Como Márcia, outros brasileiros que vivem na
Grécia consideram regressar ao Brasil. No entanto, as boas relações com
os gregos, que os receberam quando a crise era no Brasil, pesam a favor
da permanência dos imigrantes. Não é hora, dizem, de abandonar o barco.
'Aprender a viver com menos'
De acordo com a Embaixada Brasileira na Grécia,
há aproximadamente 3 mil brasileiros no país. A maior parte deles,
mulheres casadas com trabalhadores do poderoso setor de navegação do
país mediterrâneo.
Há também filhos de gregos nascidos no Brasil
que optaram pela vida na Europa, jogadores de futebol, dançarinos e
capoeiristas. "A maior parte dos brasileiros que residem aqui não tem
qualificação superior, a exceção de médicos e trabalhadores do setor de
turismo", diz o primeiro secretário da Embaixada, Gustavo Bezerra.
"Há, ainda, muitas mulheres que trabalham como
faxineiras e manicures", acrescenta ele, destacando dois segmentos que
costumavam atrair muitas brasileiras.
Há 18 anos em Atenas, Viviane Fiorentino se
emociona ao falar da crise. Dona de um spa para pés e mãos, viu a
clientela encolher 70% e teve que dispensar quatro dos cinco
funcionários. Mas afirma que vai esperar mais dois anos antes de tomar a
decisão de voltar ao Brasil.
"Minhas amigas gregas não têm como sair. Elas
sempre dizem que vamos superar este momento juntas...(chora) Desculpe,
isso me emociona muito. Minhas amigas são muito solidárias, como é todo o
povo aqui. Tenho uma gratidão enorme, porque me receberam bem quando eu
mais precisava. Este é um povo carinhoso que não me deixa sentir
saudade do amor brasileiro. Enquanto minhas economias durarem, eu fico",
diz, com voz embargada.
Laços de família
Assim como Roberta e Viviane, outros que criaram
laços e família no país acabam fazendo com que a comunidade brasileira
continue crescendo. "Há brasileiros deixando o país, mas o número de
certidões de nascimento que emitimos em 2011 foi 50% maior do que em
2010, chegando a 97. Ou seja, a comunidade deve até crescer", diz o
diplomata Gustavo Bezerra.
Com uma taxa de desemprego de 20% e a miséria
batendo à porta (19% dos gregos já se encontram nesta condição, de
acordo com a Eurostat, agência europeia de estatística), nem sempre o
coração fala mais alto.
"Vamos lutar para ficar. Agora, se a situação se tornar muito difícil, não dá para ficar com sentimentalismo"
Isabel Cardoso de Brito, professora
Funcionária pública (setor que sofre com cortes
salariais), mãe de dois filhos e residente em Atenas há 26 anos, Isabel
Cardoso de Brito lembra que o Brasil está em um bom momento, mas ainda
tem enormes problemas, como altos índices de criminalidade.
"Não quero sair da Grécia por conta da crise.
Sairia por opção", afirma ela, professora da rede pública de ensino
grega. "Vamos lutar para ficar. Agora, se a situação se tornar muito
difícil, não dá para ficar com sentimentalismo", pondera.fonte BBC brasil/camocim belo mar blog