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sábado, 15 de fevereiro de 2014

11 PESSOAS DESAPARECEM POR MÊS NO CEARÁ;A MAIORIA SÃO CRIANÇAS.

DRAMA


A maior parte dos casos é solucionada (86%). A principal motivação são crises familiares e fugas de adolescentes

A estudante Thaynara tem 16 anos e deveria estar cursando o segundo ano do ensino médio. Entretanto, a jovem desapareceu no ano passado, entre o Natal e a virada do ano. Segundo a mãe dela, a doméstica Cláudia Santos, a menina se desentendeu com a família por causa de um namorado. Thaynara passou a compor a estatística de pessoas desaparecidas no Ceará. Atualmente, há 149 casos em aberto. Alguns já duram oito anos. Entre 2006 e 2013, a média foi de 132,5 casos por ano, 11 por mês.
Somente no ano passado, foram registrados 120 desaparecimentos no Estado. Os dados são do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), ligado à Secretaria do Trabalho e Assistência Social do Estado (STDS). Quase todos se deram na Capital (109) e a maioria ocorreu com crianças (15 casos) e adolescentes (93 casos). Destes, 73 são do sexo feminino. O ano de 2013 terminou com 111 casos solucionados.
Ainda não há informações sobre duas crianças uma adolescente, além de quatro adultos e dois idosos. Neste ano, já foram denunciados 17 desaparecimentos. Destes, 11 pessoas já foram encontradas. Novamente, as adolescentes entre 12 e 17 anos, como Thaynara, são maioria, com oito casos. De acordo com especialistas, os conflitos familiares são o principal motivador dos desaparecimentos registrados entre os mais jovens.
Para a pedagoga e coordenadora do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS), Marileide Luz, a sociedade atual enfrenta uma crise moral que só pode ser combatida com uma revolução educacional para os jovens e as famílias. "A educação é primordial na formação da personalidade e na convivência. No nosso olhar, em situações de vulnerabilidade, é preciso investir em educação de forma que a família se sinta capacitada na formação de valores e no lidar com conflitos", disse.
Direitos humanos
Segundo ela, a promoção dos direitos humanos na área da educação resolveria tanto os problemas familiares que levam aos desaparecimentos quanto outras situações. "Nós temos dívidas históricas com relação a isso. Nossa educação está muito distante e precisa refletir sua função na vida da comunidade escolar", completou. Segundo a mãe de Tahynara, foi por causa de conflitos em casa que a adolescente sumiu. Cláudia Santos não gostava do namorado da filha e insistia no término da relação. Segundo ela, a jovem chegou a dizer que não estava mais com o namorado de 22 anos e teria sido ameaçada. "Ele disse que não ia deixar essa menina em paz. Aí que fiquei com medo. A gente pensa um monte de coisa".
Entretanto, Cláudia teria recebido a informação de que Tahynara estava em Iguatu e teria, na verdade, fugido com o namorado. Mas o silêncio da filha incomodou a mãe. "Eu trabalho porque preciso. Mas a cabeça é só pensando se ela está bem, como ela está", disse. "Eu quero encontrar com ela para conversar, perguntar o que houve", disse.
Apesar de não ter dado notícias à mãe, Tahynara parecia estar bem. No seu perfil numa rede social, ela publicou uma foto do braço do namorado, onde se via uma tatuagem recente com o nome dela dentro do símbolo de infinito". Na semana passada, o caso dela teve um final feliz. De acordo com o Creas, Thaynara entrou em contato com a mãe e, arrependida, voltou para casa.
Para a titular da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), casos como este são comuns e deveriam ter um outro tratamento. "Não podemos dizer que seja bem um desaparecimento. Jovens saem no fim de semana ou por problemas com os pais, mas logo voltam para casa", disse.
A inspetora-chefe da mesma delegacia, Célia Silva, concorda. "Os casos que nós temos aqui são conflitos familiares. Às vezes, até questiono com os pais os motivos dos desaparecimentos", ressaltou Célia.
Segundo ela, apenas os casos em que as menores de 14 anos fogem com namorados são investigados como crime, por poder ser tratar de estupro de vulnerável. No geral, "é mais um aconselhamento familiar do que um caso policial", afirmou a inspetora. Célia citou ainda o inquérito de uma menina de 14 anos que fugiu com um adolescente de 16. "Nesta situação, nós encaminhamos para o conselho tutelar, porque não é um crime", finalizou.
Denúncias
Segundo o Creas, entre os anos de 2006 e 2013, foram feitas 1.060 denúncias de desaparecimentos. A média é de 132,5 casos por ano. Contudo, 86% foram solucionados e houve no período nove localizações com óbito. 90,8% dos registros aconteceram em Fortaleza.
Os números são contabilizados a partir das denúncias das famílias. O assistente administrativo do Creas, Francisco Cavalcante, reconhece que a maioria dos desaparecimentos são por conflitos familiares.

FIQUE POR DENTRO
Leis fortalecem mobilização para resolver casos
A Lei nº 11.259/2005, mais conhecida como "Lei da Busca Imediata", consta no parágrafo 2º do artigo 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O texto determina que "a investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido".
Além disso, a Lei nº 12.393/2011 instituiu a Semana de Mobilização Nacional para Busca e Defesa da Criança Desaparecida, a ser realizada anualmente em todo o País, entre os dias 25 e 31 de março.
LOCALIZAÇÃO
90,8 por cento dos desaparecimentos registrados no Ceará acontecem em Fortaleza, segundo o Centro de Referência Especializa em Assistência Social (Creas)

Rapidez ao denunciar é fundamental para resolução
O registro do desaparecimento da adolescente Thaynara foi feito no dia 22 de janeiro, quase um mês depois que o fato ocorreu. Segundo a Polícia, quanto mais rápido for feita a denúncia, melhores serão as chances de encontrar a pessoa sumida. "Quanto mais rápido for feito o Boletim de Ocorrência (B.O.), melhor para investigar", ressalta a inspetora-chefe da Dececa, Célia Silva. E a rapidez é garantida por lei federal. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina a investigação imediata dos casos após a notificação.
"O primeiro procedimento a se fazer é ir logo numa delegacia registrar um B.O. E então vir ao Creas, para que a gente possa fazer toda a ficha de desaparecido e posteriormente encaminhar para os nossos parceiros para divulgação", explica Francisco Cavalcante.
Orientação
Segundo ele, a família é atendida no Centro por um educador, que preenche uma ficha com todos os dados do desaparecido. "A gente solicita que a família traga uma foto atual e, se possível, de boa qualidade para ser feita uma veiculação", disse.
O Creas não investiga o desaparecimento, mas acompanha a família durante todo o processo. "Semanalmente a gente entra em contato para saber como está a situação, para saber se ela foi localizada ou continua desaparecida", afirmou Cavalcante.
No caso de conflitos familiares, o Centro de Referência fornece assistência profissional para a solução dos problemas que levaram ao desaparecimento, em particular quando envolvem adolescentes.
Acompanhamento
"Uma vez que elas são localizadas, a gente chama a família para conversar com eles e ajudar da melhor forma possível, seja com o atendimento no Creas, com assistentes sociais, psicólogos ou, se preciso, com advogados", informou o assistente administrativo. Ele disse ainda que, em alguns casos, é preciso encaminhar a família para outros órgãos especializados para acompanhamento específico.
Francisco Cavalcante também explicou que desaparecimentos ocorridos no interior do Estado também podem ser registrados no Creas através do envio de informações por e-mail de conselhos ou algum outro órgão de assistência social.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Roberta Costa
Psicóloga

Em busca do diálogo na família
O número de adolescentes que fogem de casa tem sido cada vez maior. Vários podem ser os motivos que os levam a sair de seus lares. Contudo, há algo que deve ser levado em conta: por que fugir de um local onde, a priori, deveriam sentir-se seguros? Assim, uma análise das relações familiares faz-se necessária. De um lado temos o adolescente, que vive nessa fase um processo de mudanças (físicas, emocionais, sociais) e, do outro, a família que deposita/cobra condutas do jovem. Mas nem sempre o que se espera do adolescente é o que ele deseja. E essa incompatibilidade de expectativas pode gerar uma crise no seio familiar que pode levar a rupturas. A fuga muitas vezes é uma forma de "tentar" resolver a questão. Isso porque, em muitos casos, não há diálogo entre pais e filhos. E o que não é dito através da conversa, é externado de uma forma por vezes inadequada.
Não podemos esquecer ainda que, em algumas situações, a fuga de casa é uma forma de escapar da violência doméstica. As relações familiares precisam ser permeadas por diálogos frequentes e abertos, a fim de que os indivíduos envolvidos se sintam seguros e amados.


Germano Ribeiro
Repórter

Mais informações
Creas Regional de Fortaleza: 3101.2737
Dececa: 3217.2119 / 3101.2514
Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza: 3497.2162
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