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domingo, 20 de julho de 2014

MEMÓRIAS:AS CASAS SERTANEJAS, SEUS HÁBITOS,E OS RISCOS DE MUDANÇAS NO COTIDIANO DO SERTÃO.

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Por Rogério Brandão, médico oncologista residente em Recife e filho de Tauapiranga, zona rural de Serra Talhada
Casa de Sertanejo Quem já visitou o sertão sabe do que estou falando. As casas dos sertanejos são diferentes das casas que conhecemos nas cidades, com todos os seus cômodos e equipamentos. Nas cidades, vivemos em casas modernas e confortáveis, bem equipadas ou em prédios de apartamentos, alguns com mais de 40 andares.
Na quase totalidade, no sertão, as casas são simples, de porta e janela, duas janelas no máximo. A porta geralmente é composta por duas sessões: A parte de cima, dividindo-a ao meio e esta metade se abrindo em janela e a parte de baixo é a porta. Assim que o dia amanhece, o sertanejo abre suas portas, como a desejar bom dia, nem que seja ao próprio dia. A parte de baixo, a porta mesmo, é mantida sempre fechada, mas nunca trancada. Qualquer um pode entrar, a qualquer hora, e é sempre bem-vindo.. Simplesmente abre-se a porta e já se entra sem cerimônia, chamando ela “cumadre”. . Para fechar as janelas, apenas uma trave de madeira, encaixada por dentro.
As divisões das casas são feitas com meias paredes e os tetos nunca são forrados. Em cada cômodo, os móveis são poucos e se limitam ao essencial. Nas paredes das salas, fotos antigas de seus moradores, um inevitável “coração de Jesus com uma coroa de espinho” e as imagens dos santos venerados, com com destaque especial para o “padim”padre Cícero do Juazeiro, tido por todos como homem santo e fazedor de milagres, mesmo que a igreja nunca o tenha canonizado e sua santidade reconhecida. O padre Cícero foi um personagem polemico, envolvido com a política e tinha uma visão pessoal de justiça e das necessidades do homem simples do campo.
O que nunca falta em qualquer casa são armadores de redes em quantidade. Mas são de madeira e chumbados nas paredes, diferentes dos metálicos que existem em nossas casas das cidades. Dorme-se em qualquer lugar: na sala, nos quartos, nos corredores, onde quer que seja, basta armar uma rede e se deitar. O lugar principal é a cozinha, onde se encontra a mesa de refeições e bancos de madeira para sentar. Muitascozinhas já são equipadas com fogões a gás e geladeira, mas o sertanejo gosta mesmo é de cozinhar em fogões de alvenaria e usando lenha como combustível.  Economiza-se gás e a comida fica muito mais gostosa.
Na cozinha também sempre existe um armário de mantimentos e pelo menos um pote de barro, que mantém a água sempre fresquinha. O pote é mantido tapado e coberto por um pano limpo. Logo acima, uma inevitável coleção de copos de alumínio e uma cuia para se retirar a água do pote. O orgulho da mulher sertaneja são suas panelas, areadas ao capricho e exibidas com orgulho.

As casa de antigamente não possuíam banheiros como conhecemos, o saneamento é inexistente até hoje e também não se usavam fossas sépticas. Se construía um “trono” de tijolos com um buraco no meio e os dejetos eram lançados já direito no chiqueiro dos porcos. Tinha medo de sentar nestes “tronos”, pois os porcos vinham fuçar nos buracos e ouvíamos seus roncos, além do cheiro desagradável. Para higiene após os “serviços de banheiro”, havia um depósito com sabugos de milho, que após utilizados eram jogados aos porcos. Não havia chuveiros: banhos, só de cuia. Minha mãe colocava uma cortina no quintal para esconder nossa nudez aos banhos e garantir ao menos alguma privacidade. O piso é um cimentado, mantido sempre limpo varrido diversas vezes ao dia com vassouras feitas artesanalmente com fibras de mato, mas bastante eficientes. Sempre associei estas vassouras com as usadas pela bruxas dos desenhos animados.
Dentro das casas sempre existem vários depósitos de água. São separados em água de se beber e cozinhar e águas que são usadas em outras finalidades, como lavar pratos e limpeza geral. A água servida é canalizada para o quintal e já serve para aguar alguma plantação. Não se pode desperdiçar nenhuma gota de água no sertão. A televisão hoje é universalmente presente e sempre com antenas parabólicas para captar imagens.
Hoje, as conversas de calçadas já são substituídas pelas novelas e noticiários e assim o sertanejo é mantido conectado com o mundo. O telefone é item decorativo. Mesmo a telefonia rural tem funcionamento incerto e precário. Em alguns distritos, já se começar a ver torres de telefonia móvel em instalação. Logo, logo, mas um modernismo chegará aos sertões.
Este contato com o mundo moderno vem tirando aos poucos a pureza e a ingenuidade do sertanejo. Em todo quintal há uma pequena criação: galinhas, alguns porcos e bodes são vistos em todos os lugares. São fontes de proteínas importantes na vida do sertanejo. As cisternas também estão presentes em todas as casas, pois as chuvas são raras e sua água não pode ser perdida. Outra grande mudança que se observa é o desaparecimento dos jumentos. Este animais eram largamente utilizados para transporte de pessoas e cargas.
Hoje, as motocicletas estão presentes em todos os lugares e substituem os jumentos. Mas para locomoção mesmo, ida à cidade sede dos distritos, os caminhões tipo pau-de-araras ainda são largamente usados. Ainda vejo paus-de-araras utilizados até como transporte escolar, o que absurdo e perigoso. O sertão vem mudando, lentamente, é verdade, mas é claramente perceptível. Muda-se os maneirismos, os desejos de consumo, os comportamentos induzidos pelas perniciosas novelas da televisão, e em pouco tempo, acredito que a internet e as redes sociais também estarão presentes. É uma pena que isto aconteça pois o jeito peculiar de se viver e que faz o sertão SER TÃO diferente e gostoso.
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