TERMO DE COOPERAÇÃO
fonte:dn/cbm
MPT, MPE, Sine-IDT estão entre os órgãos que reduziram a vazão de dinheiro desviado no seguro do pescador
"Tomado como exemplo de boas práticas, o Ceará conseguiu um arranjo institucional capaz de potencializar as ações de combate a fraudes na concessão do benefício". O comentário é do Tribunal de Contas da União (TCU), em um acórdão gerado após auditoria que identificou rombo de R$ 19,5 milhões.
O que não estava previsto na legislação, entidades responsáveis por promover justiça tornaram prático. A palavra certa é cooperação, que se materializa quando o promotor de Justiça entrevista o autodeclarado pescador a pedido do Ministério Público do Trabalho e tendo a observação do Sistema Nacional de Emprego (Sine-IDT), que vai liberar ou não o benefício. A divisão de responsabilidades e o acompanhamento são a resposta para o Ceará ser apontado como o lugar com maior redução de fraudes.
Os pagamentos federais são divididos em antes e depois do termo de cooperação, firmado, em 2010, por Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Estadual do Ceará e com o Sine-IDT. Mais ainda quando se somaram a Defensoria Pública do Estado do Ceará e a Polícia Federal, que já recebeu o relatório ao qual a reportagem também teve acesso, com as comprovações de fraude.
Combate aos desvios
O primeiro passo da equipe é encontrar os pescadores reunidos nas colônias espalhadas pelo Estado e esclarecer sobre o direito ao seguro, quem pode solicitá-lo e como. E aos que não estão contemplados, alertam para evitarem o caminho sugerido pelos fraudadores.
Em iniciativa inédita, os promotores de Justiça Rafael Carvalho, em Aracati, Victor Montenegro, em Caucaia, ou Alberto Oliveira, em Lavras da Mangabeira, dentre muitos, passaram a conhecer a atividade pesqueira artesanal. "Quando estamos mais próximos, não só o pescador se sente valorizado como conseguimos passar a importância de se obedecer a Lei", diz Antônio Justino, promotor de Justiça.
Especialmente no quesito obediência, a entrada dos promotores do Ministério Público Estadual tem feito a diferença logo a partir da identificação entre quem é e não é pescador. No ano de 2008, em Chaval, no Ceará,146 pescadores receberam pelo defeso da piracema.
Após o termo de cooperação, e uma reunião em que o promotor exigiu, no Fórum de Justiça, a presença dos pescadores para receber questionamento, nenhum compareceu. Desde o ano seguinte, não existem mais registros, em Chaval, de pagamento do benefício, uma vez que as espécies encontradas não compõem a piracema.
Redução
A moralização do benefício tem tomado outras dimensões. Em 2009, antes do primeiro Termo de Cooperação, o Ceará recebia recursos no valor de R$ 49,7 milhões para o seguro. Após a exigência do Certificado de Permissão de Pesca das Embarcações Lagosteira e o início do trabalho da parceria, o volume foi reduzido para R$ 36,3 milhões em 2012. Isso ocorreu por meio da redução do número de pescadores reconhecidos e autorizados.
Em 2007, o Ceará teve o maior número de segurados no defeso desde 2003, ano em que a Lei da Pesca foi regulamentada. Chegou a 17.743 habilitados, dos quais 12.289 correspondiam à pesca da lagosta. Em 2010, na vigência da fiscalização interinstitucional, esse número para lagosteiros caiu para 6.546. Em 2014, foi de 6.949.
Um dado curioso é que, apesar de o número de segurados totais nos anos de 2012 e 2014 ter alterado pouco, os pagamentos saltaram de R$ 36 milhões para R$ 62 milhões. Uma parte pode ser justificada pelo aumento de parcelas pagas para o defeso da lagosta (de quatro para seis), bem como a variação positiva do salário mínimo que equivale a cada parcela.
A outra parte, sugestivamente a maior, é explicada pela fraude, que pode ser descrita em uma frase: pescadores habilitados ilegalmente em outros Estados estão recebendo os pagamentos no Ceará. Ou seja, os segurados que se conta lá geram milhões a mais de pagamentos cá. Essa divergência de endereços, menina dos olhos dos fraudadores, nós abordamos na página ao lado.
"Não é só uma questão de evitar prejuízos aos cofres públicos, mas valorizar e trazer dignidade aos milhares de pescadores artesanais que arriscam a vida pelo sustento. Estamos fiscalizando e vamos continuar o enfrentamento", afirma Nicodemos Fabrício Maia, Procurador do Trabalho no Ceará.
Fiscalização gera ameaças em diversos municípios
Querer estancar a sangria financeira é como pisar no calo dos fraudadores do benefício destinado aos pescadores artesanais. Quem faz isso não é bem-vindo. Durante reuniões e vistorias realizadas em dezenas de comunidades do Ceará, representantes do Sine-IDT, órgão responsável pela habilitação no seguro-desemprego, têm sofrido com a ira dos descontentes. São especialmente os que perderam o benefício porque a lei passou a valer.
Em audiência pública numa cidade do Litoral Leste do Ceará, mesmo a presença de dois agentes da Polícia Federal não impediu que os ânimos se exaltassem. Por segurança, a reunião teve de ser encerrada. "Pediram que eu terminasse logo para não gerar problemas", afirma Júlia Colares, coordenadora do seguro-defeso pelo Sine IDT. Ela viaja pelos municípios distinguindo, nas comunidades, quem é pescador de fato e de direito.
Um representante do Ministério Público, que há quatro anos atua no combate à fraude na região que abrange Aracati, Icapuí e Fortim, alega sofrer pressão desde pescadores piratas a políticos, que "pedem" pela liberação dos benefícios. "Há uma relação direta entre fraudadores e políticos que buscam simpatia e a representatividade (leia-se: votos), dos pescadores".
Melquíades Júnior
Repórter
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