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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

CHICO NENÉM, O FILHO DOS LOBISOMENS.

Por Raimundo Bento Sotero - (poeta e Escritor camocinense"

O Chico Neném, que era filho do Zé Leitão e da Maria Viana, seria uma criança normal, como todas do seu tempo, não fosse o fato de ele ser filho de pais lobisomens, estes que, segundo se dizia, viravam bicho toda noite de quinta para sexta-feira, correndo do Tapuiú, tomando o rumo da Madeira-Cortada, passando pela Baixa-Grande, Lagoa-das-Pedras, Tremedal, Ziú, Praia-Formosa etc., comendo o que era de bacorinhos, filhotes de cachorros, frangos de primeira pena, monjolos, fulejos... o diabo a quatro! , causando desta forma grande prejuízo aos sitiantes, estes que viam seus bichos dizimados a cada semana, porque por onde os dois passavam iam deixando um rastro de sangue e destruição, o que dava pena de se ver, pois era um frango estraçalhado aqui, tendo de si, no mais das vezes, apenas as penas e nada mais; ali eram os restos de um bezerro; acolá uma carcaça de bode... enfim uma carnificina! Aquilo perdurou por muitos anos, até o dia em que os dois tiveram a infelicidade de comer o gato da Dona Maroca, esta que há muito tempo vivia a dizer que se eles se metessem a besta de fazer algum mal ao seu “filhinho”, estariam em maus lençóis e foi exatamente isto que se deu, pois a velha, parece que de propósito, criava não sei quantos cachorros de raça, coisa bem diferente dos outros sitiantes, que tinham uns vira-latas magricelas, cheios de nós pelas costelas, possíveis sequelas das patadas dos lobisomens, pois estes, quando passavam e eram acuados pela cachorrada, de vez em quando, entre um latido e outro, se ouvia um grito de dor lancinante e aquele que recebia a pancada saía do bando, se torcendo, ganindo, inteiriçado de dor, tomando o rumo de casa, para que o dono fizesse uma compressa de mastruz; isto se não procedesse como o seu Severino, que quando seu cão chegou aos urros de dor, ele, despertando do sono, em vez de cuidar das pisaduras do bicho, deu-lhe foi uma tremenda pesada por cima do lombo, chega o pobre diabo desmaiou de dor, indo acordar no outro dia, o sol nas sumas alturas. Só não morreu, pois foi acudido pela dona Loló, mulher do desalmado, que lhe pensou as feridas, botando o pobre animal para dormir na alcova dela, deixando o marido apartado por não sei quantos dias, aguentando a cruviana nos couros até dizer chega, o tempo da convalescência do cachorro; isto sem contar dos resmungos contra o marido; mas baixinho, para que ele não a ouvisse, pois temia lá o que fosse: “Este corno parece que é doido. Por que não foi bater na vagabunda da mãe dele, aquela sem-vergonha!?”, ao que o Espadarte, este era o nome do cão, não sei se de dor ou por dengo, soltava, lá na sua linguagem de bicho, uns guinchos, lembrando gemidos.

Pois bem, voltando ao fio da meada, quando a Dona Maroca acordou em certa sexta-feira, gato, o que era dele!? Chamou que chamou pelo bichano e nada. Cansada de tanto chamar, deu de ir ver pelo terreiro se havia algum vestígio dele e mal abriu a porta da rua, viu que a desgraça havia sido feita, pois do gato só restavam a ponta do rabo e uma maçaroca de pelos deste tantinho assim, esta que era tangida pelo vento. Ante a visão, a velha soltou um grito de dor e caiu pelo fofo da terra, fazendo bufo; mas quando despertou do passamento, jurou vingança, dizendo que iria matar os malditos lobisomens. 

Ora, na outra semana, quando deu quarta-feira, ela deixou de alimentar os seus cães de raça, estes que pelo tamanho mais pareciam uns novilhos, pesando o menor deles, que eram em número de seis, uns sessenta quilos. Quando enfim chegou a quinta-feira, os vizinhos já não suportavam o alarido dos bichos que, de fome, pareciam querer comer uns aos outros. De longe só se ouvia o tinir dos dentes entre si, o que dava arrepio, pela ferocidade. Quando a noite escancarou a boca, engolindo o mundo, a Dona Maroca deu de traçar seus planos de vingança, cuidando de cada detalhe da trama. Assim, mal apareceu a primeira estrela, foi buscar um burrego de carneiro que cuidadosamente encerrara no chiqueiro, amarrando-o pelo pátio da casa, a servir de isca aos lobisomens e ficou de vigia, apurando o ouvido ao possível tropel dos bichos, o que não demorou acontecer. Então ela, mais que depressa, foi ao canil soltar os bichos, estes que, já pressentindo a visagem, estavam inquietos. Ora, logo pela curva da estrada apareceram as marmotas, as quais vinham num tropel dos diabos, levantando tufos de poeira, esta que subia ao céu, embaçando as estrelas, como a lua, escurecendo a noite. Foi quando a Dona Maroca abriu a porta ao canil e a matilha saiu ao encontro do que fosse. Um instante depois, de longe, ouvia-se o estrondo da peleja, constando de ganidos de dor, de ossos sendo partidos, do trerreco-treco das dentuças se chocando umas com as outras, do rete de mantas de carne sendo arrancadas aos dentes, dos grunhidos de bichos desconhecidos, que não se sabia ao certo o que fossem... enfim aquela desordem da peleja. A luta era bruta e difícil saber quem estava ganhando, pois na barafunda da briga, muitas vezes um deles em vez de morder os bichos, davam preacadas terríveis nos semelhantes, o que sempre arrancava um grito de dor lá na linguagem deles; mas pouco a pouco a roda da fortuna pendeu para o lado dos cães, mesmo por que a qualquer sinal de esmorecimento deles, a Dona Maroca açulava-os para que não desistissem da empreitada, chegando mesmo a dar um chute no Rompe-Ferro, quando este por um instante, esmorecido, se afastou do campo de batalha, ao que o pobre cão soltou um ai de cortar coração; mas voltou para a luta, mesmo todo torto de dor, por medo de outro chute da velha. Melhor seria enfrentar os bichos que ela. Daí a nada, os lobisomens, pressentido que não conseguiriam tirar a volta, como dizem os pescadores, abriram o peito no mundo a se safarem das mordidas; mas, para espanto da Dona Maroca, havia um terceiro lobisomem, este que, era um como filhote e, por isso mesmo, deu de ficar para trás, servindo de almoço para os cães, estes que a semelhantes dentadas arrancavam febras assim da carne daquilo que não se sabia o que fosse. Em pouco tempo, os bichos estraçalhavam o que quer que fosse; mas para espanto da Dona Maroca aquilo, de repente, se transformou num menino, que outro não era senão o Chico Neném, que berrava de dor às mordidas dos cães. A grande custo, Dona Maroca conseguiu conter seus bichos, ficando o diabo do filho de lobisomem entre a vida e a morte, salvando-se nas “colher de rapaz maxixe” como se diz aqui na roça. Só não morreu de fato, porque quando foi mordido pelos cães, foi mordido na qualidade de bicho e assim tais mordidas, como que por milagre, em poucos instantes, sararam, bastando abrigar-se da luz da lua; já os outros ferimentos, os recebidos como gente, ah, estes arruinaram-se transformando-se em pustemas, que os letrados chamam pústulas, sarando a custa de muita casca de aroeira e ameixa, caindo as escaras depois de bons três meses de tratamento.

Meus amigos, seria até capaz de jurar que isto foi verdade (quem diz assim sempre está mentindo), pois vi com estes olhos que a terra há de comer (kkkkkkk); mas se vocês não me dão crédito, vão perguntar ao Chico Félix, filho da Dona Maroca, pois esta já não vive para confirmar minha história.
Fonte:RC/CBM

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