Miguel Noschese conta situações curiosas e marcantes de outras épocas.
Santos, no litoral de São Paulo, completa 467 anos neste sábado.
Os ares de mudança envolvem a cidade de Santos neste sábado, 26 de janeiro de 2013, quando a cidade completa 467 anos de fundação. As promessas de mudanças são evidentes no começo de um novo governo e transformam não só a cidade, mas também todos os que vivem nela e torcem por um futuro diferente. Só quem viveu 104 anos em Santos, como Miguel Noschese, sabe falar com bastante alegria de uma centena de histórias da cidade.
Trabalhador do cais santista, Miguel Noschese viveu entre armazéns e agências de despachos durante pelo menos 50 anos. Miguel contraiu doenças, como a febre amarela, viu o Porto de Santos se desenvolver e a inauguração dos canais santistas. Viu seus irmãos se tornarem vereadores e até darem o nome para ruas da cidade. Quando jovem, foi sócio do Santos Futebol Clube e frequentou os cassinos e os carnavais de rua na cidade. No aniversário da cidade, ele relembra etapas de própria vida, que se misturam com momentos marcantes da história da cidade do coração.
Miguel, aos 15 anos, teve seu primeiro emprego em uma transportadora onde atualmente fica a rodoviária de Santos. Logo ele tomou gosto pelo trabalho no Porto de Santos. “Antigamente a mercadoria não vinha em contêineres como hoje. Era a granel. Vinte mil sacos de cimento dentro do caminhão. Eu comecei como empregado e terminei como gerente”, conta Noschese. Como gerente, ele ia no cais e fazia o despacho dos navios. “O embarque da carga não era que nem hoje, que o navio atraca. O navio ficava há mais ou menos 50 metros de nós. Eles colocavam uma ponte, o camarada pegava o saco de café e passava naquela ponte até chegar no navio. O navio não atracava no cais”, diz ele. Miguel ainda passou pelo Batalhão Naval por dois anos, durante a revolução de 1932, e depois voltou para a rotina no cais.
Durante a juventude, o aposentado aproveitava o Carnaval de rua da cidade. Um tempo bom, que ele e a neta contam com alegria. “Tinha um bloco aqui em Santos “Agora Vai”. Geralmente quando tinha carnaval, como ele era gerente de transporte, ele pegava o caminhão e a gente ia em cima do caminhão para ver os blocos de rua”, relembra Darci.
Apaixonado por futebol, Miguel cresceu vendo jogos na Vila Belmiro. Mesmo torcendo para o São Paulo, ele se tornou sócio do Santos Futebol Clube e até hoje acompanha partidas nacionais e internacionais pela televisão e pelos jornais impressos, que lê todos os dias pela manhã.
Além de guardar recortes de jornais da época de Pelé, ele explica como ficava sabendo dos resultados dos jogos de futebol em uma época em que poucos possuíam rádio. “A gente se reunia em grandes jogos do Brasil, na frente da sede do jornal A Tribuna. Eles colocavam na porta um telegrama e o povo todo fica esperando chegar as noticias do jogo. O dono do Café Paulista tinha um amigo que ligava para ele e passava todos os resultados dos jogos de futebol. Eles colocavam em uma pedra na frente do Café”, conta Miguel.
Os momentos marcantes não se resumem apenas às alegrias santistas. O centenário também lembra com detalhes uma situação que passou durante um período histórico do Brasil. “No tempo da Guerra, em 1942, ninguém podia acender um fósforo. As janelas tinham que ser fechadas com um pano preto. Ninguém podia sair da rua. Nas casas podia acender a luz, mas tinha que colocar o pano preto na janela”, conta ele.
O desenvolvimento do Porto trouxe muitas pessoas para a cidade, que ficou sendo reconhecida no país. “O apogeu da cidade de Santos foi quando vinha tudo quanto era navio. Santos tinha uma vida própria. Naquela época atracava muito navio, vinham marinheiros de toda a qualidade. A cidade ficava abarrotada. Os cassinos ficavam cheios”. Essa é a melhor lembrança que Miguel tem da cidade de Santos durante a juventude. Ele conta que frequentava os cassinos no Gonzaga, na Ilha Porchat e no Monte Serrat, e teve a oportunidade de ver um show da Carmem Miranda. Em 1946, general Dutra mandou fechar os cassinos do país.
Miguel diz que tem saudade de muitas coisas boas e ruins da época. “A cidade mudou muito. A biquinha do Itororó é do meu tempo. Eu frequentava o colégio Barnabé. Tinha o bonde a burro. Ninguém viu. Eles vinham pela avenida Ana Costa e a avenida Conselheiro Nébias. Quem puxava os bondinhos eram os burros. Vieram as doenças, como a febre amarela. Depois vieram os canais. Saturnino de Brito fez os canais”, conta.
Das recordações do Porto, ele lembra o bom relacionamento entre os colegas de profissão, que eram milhares. Com o desenvolvimento do cais santista, a rotina de antigamente deu lugar aos grandes equipamentos. “Hoje está melhor. É tudo máquina. Agora tem sindicato e essas coisas. Não tinha nada disso”, diz ele.
Para ele, que já viveu vários períodos na cidade, a mudança do padrão arquitetônico da cidade não é vista com bons olhos. Na janela de um apartamento no bairro do Gonzaga, ele aponta para três prédios em construção. As construções, cada vez mais altas, não são do agrado do centenário que estava acostumado a morar em casas. “Esses prédios altos tampam a visão. Santos deviam ser como era”, diz ele.
Os atuais congestionamentos e o grande movimento de veículos fazem Miguel lembrar dos meios de transporte antigos. “Antigamente tinha um trem que ia para São Paulo, no Valongo. Hoje não tem mais trem. Antigamente não existia tanto caminhão, era tudo com carroça e burro. Tinha até bebedouro de burro no meio da rua, para os burros beberem água”. conta ele. Em um dia de Carnaval, ele diz que um navio atracou no Porto e trouxe mercadoria para uma empresa de São Bernardo do Campo. “Precisou parar o Carnaval na rua General Câmara para o caminhão passar”, fala Miguel.
Depois de ver tantas transformações em Santos, Miguel quer ver mais mudanças na cidade, nesse novo ano que se inicia. Os questionamentos feitos pelo centenário vão de mudanças em grandes problemas sociais, como a violência. “Você vai na cidade e fica pensando se aquela pessoa vai roubar você”, fala. Ele pede melhorias básicas para o santista viver melhor. “O pronto-socorro é uma vergonha. O médico não existe. A gente viveu em uma época que o médico vinha em casa, chegava na hora”, argumenta. E até mesmo em simples medidas, que se contrapõem com a realidade de cem anos atrás. “Também tem o preço do bondinho. Como o pessoal vai pagar R$ 23, R$ 25 para subir no Monte Serrat. Eu não pagava nada na época do cassino”, finaliza.
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